Unindo literatura, teatro e artes visuais, a AML recebe a residência da companhia Madame Teatro no Palacete Borges da Costa. Como nós já contamos aqui, o ator Diego Bagagal utiliza o espaço na preparação do solo “Shakespeare: Livros para Sobreviver”, escrito por Mickael de Oliveira. Em outubro, o espetáculo abre o festival BHinSolos e faz temporada no Palacete. Abaixo, Diego conta como está sendo o processo artístico e os experimentos que vão resultar em seu solo.
“(Breve parênteses… Nos dias 19 e 20 de setembro de 2015, dentro da FUNARTE, abrimos o processo de “Shakespeare: Livros para Sobreviver”. No primeiro dia roteirizamos uma simulação do espetáculo, apresentamos e abrimos um bate-papo para que o público pudesse questionar, opinar, colaborar. As pessoas presentes ofereceram sugestões e mudanças radicais, e para o segundo dia criamos um novo roteiro para experimentarmos as sugestões. Experimentamos e aprovamos! O segundo dia foi melhor, não acho que já esteja pronto mas foi mais eficaz no quesito “direto ao ponto”. Este é um espetáculo que ir direto ao ponto é importante, pois se trata da “filosofia” do maior serial-killer da dramaturgia ocidental, Sir William Shakespeare… Seguimos experimentando o que nos foi ‘provocado’ no bate-papo do segundo dia do work in progress.)
Na verdade hoje quero falar sobre fragilidades, sobre o ser frágil.
Falarei na primeira pessoa pq é algo pessoal.
Ao mostrar o processo e estar diante do público de “entendidos”, oferecendo algo inacabado que estava sedento para experimentar/testar, me lembro de no primeiro dia, a meio da mostra, me sentir patético, um idiota. Eu era aquele prestes a entender ou não. Estava no meio de alguma coisa que não era uma improvisação mas também não era um espetáculo.
Numa cena longa de 20 minutos secos e duros, sem corte, olhei para o público e pensei “Diego, que merda é essa? Pq você está fazendo isso? Pq ter coragem pra mostrar aquilo que você ainda não sabe o que é? Que merda! ”. Lembro que ia olhando o público e me questionando e de repente me boicotei ao ponto de desconectar daquele lugar por me achar patético.
Mas ainda tinha pela frente mais 20 minutos de experimentações, todas sozinho no palco, todas áridas. Me senti fraco, frágil como um copo de cristal. Me deu sede. Me senti um bibelô enfeitando um trabalho que poderia não dizer nada a ninguém, e ser apenas mais do mesmo. Eu queria ser um elo das coisas mas de repente eu era a coisa. E estava perdido, esqueci da equipe em volta, e me senti só e estúpido.
Acabou a mostra do primeiro dia e abrimos o bate-papo. E foi tão forte olhar todas aquelas pessoas comentando, generosas em seus olhares, eu não achei bom o que mostramos e dividi pra elas que me senti ridículo e ao dividir isso lembrei que este espetáculo para o MADAME TEATRO é justamente um tiro no escuro. E me lembrei dos primórdios da decisão de construir um trabalho como esse, e aí deu um clique.
Desde o início, em janeiro, quando decidimos que este ano estrearíamos algo novo, queríamos algo que nos provocasse e nos tirasse do eixo, algo que seria para nós realmente novo, queríamos assumir o MADAME como uma plataforma abertíssima ao híbrido e queríamos ser as nossas próprias cobaias. Para tal:
– escolhemos que este trabalho seria uma co-criação com as disciplinas fotografia (Inês Rabelo), vídeo (Débora de Oliveira & Ralph Antunes), pintura (Martim Dinis), novas tecnologias em luz (Allan Calisto), música instrumental (PJ Jota Quest) e literatura (William Shakespeare);
– escolhemos o Mickael de Oliveira, um dramaturgo vivo (costumamos trabalhar com os mortos rs), um dramaturgo com um olhar pessoal e intransferível sobre o mundo, um dramaturgo que me tira do eixo;
– escolhemos como pilar Shakespeare, um autor fascinante, que na lista de autores a serem desbravados por nós estava em um dos últimos lugares, pois queria verba pra fazer uma grande montagem, doce ilusão, pois o tempo de Shakespeare é agora, e sem verba;
– queríamos que o público tivesse um papel mais ativo neste trabalho, 70% do espetáculo será decidido pelo público;
– e então como cereja do bolo escolhemos que seria um solo, algo que estava adiando, mas o tempo é agora. O tempo de ser vento, que conecta público e a obra artística;
Ser vento nestes tempos áridos é ser frágil, sutil. Tenho me conectado mais com o fluxo deste elemento do que com a falta. Tenho algumas dúvidas sobre esta montagem (pois o vento é invisível), mas uma certeza tenho, que este novo trabalho será como um vento fresco. Tem sido assim para a equipe.
Fotos: Débora de Oliveira
E sim, estou frágil. E sim, isso é bom, já não dá mais pra fingirmos de He-Man. Temos que sobreviver e sobreviver é atravessar o mar, deixar tudo para trás, chegar na costa e ser recebido com um copo de água.
Se você for prometo apenas duas coisas: te oferecer um copo de água cheio de vento (vento fresco) e tentar a cada segundo estar presente e te olhar de verdade com toda a minha fragilidade de ator deste tempo-agora.
No dia 08 de outubro faremos uma pré-estreia na abertura do festival BHinSolos, e lá mostraremos uma versão oriunda do diálogo na FUNARTE.
Keep calm and be fragile!
(p.s.: A Academia Mineira de Letras (AML) é co-realizadora deste projeto)”