Na cabeceira da cama de meu pai havia sempre mais de um livro. Não era raro que, ao lado de um volume sobre novas descobertas científicas ou sobre os mistérios da mente humana estivesse algum do teólogo jesuíta francês Teilhard de Chardin ou a autobiografia de Mahatma Gandhi (“Minha vida e minhas experiências com a verdade”, lançado originalmente em 1927). “Ensaios”, de Michel de Montaigne, publicado pela primeira vez em 1580, também tinha lugar cativo. Entre os brasileiros, um, em especial, gozava de espaço privilegiado: Josué Montello. Cresci ouvindo trechos de seus diários e de seus romances. Dono de impressionante obra, esse autor nascido em São Luís foi o homenageado da belíssima sessão realizada na Academia Mineira de Letras, na semana passada, para celebrar o centenário de seu nascimento.
Os números são incríveis: vinte e sete romances, sete novelas, dez livros de literatura infanto-juvenil e dez peças de teatro. Mesmo produzindo tanto, Josué Montello ainda encontrou tempo para atuar como dinâmico gestor cultural. Dirigiu a Biblioteca Nacional, o Serviço Nacional do Teatro, o Museu Histórico Nacional, o Museu da República e a Universidade Federal do Maranhão. Foi Embaixador do Brasil na UNESCO e presidente da Academia Brasileira de Letras. Seu livro “Os Tambores de São Luís”, de 75, é considerado uma obra-prima. Convidado a discorrer sobre a trajetória do autor maranhense, o escritor Cláudio Aguiar também ressaltou o caráter universal da produção montelliana, sempre alinhada com as grandes questões que marcam a experiência da humanidade sobre a Terra, como a relação com o tempo, por exemplo, tema de outro livro fundamental para a compreensão do legado literário de Montello: “Largo do Desterro”, de 81.
Se uma das satisfações proporcionadas pela sessão na Academia foi conhecer melhor a literatura de Josué Montello, outra, sem dúvida, foi a de usufruir do estilo elegante e claro do conferencista. Intelectual de vários instrumentos, Cláudio Aguiar circula com a mesma desenvoltura pela dramaturgia, pelo ensaio e pelo romance. Uma de suas peças mais importantes, “O Suplício de Frei Caneca”, publicada em 77, está atualmente em cartaz no Recife, no âmbito das celebrações dos duzentos anos da Revolução Pernambucana de 1817, também chamada de “revolução dos padres”. Editada pela José Olympio em 2015, a biografia de Francisco Julião, o lendário líder das Ligas Camponesas, foi um dos livros ganhadores do Jabuti. “Caldeirão”, de 82, uma das ficções mais conhecidas de Aguiar, já foi traduzido para a Espanha e a Rússia. Agora, na França, se publicou seu livro “Lampião e os meninos”, que ganhou o saboroso título “Le hors-la-loi Lampião et sa bande”.
Assim como Josué Montello, Cláudio Aguiar é, igualmente, um ativo administrador de entidades culturais. Na presidência do Pen Clube, tem sido o responsável por reavivar a instituição, resolvendo problemas antigos e agregando novas gerações. Como diretor da Biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, faz a gestão de um dos acervos mais valiosos do país. Nada melhor para o Brasil que contar com pessoas com essa disposição e esse entusiasmo pela Cultura.
Rogério Tavares é formado em Direito na UFMG, em Jornalismo na PUC Minas
e ocupa a cadeira n° 8 da AML.