Eugênio José Guilherme de Aragão é professor-adjunto da Faculdade de Direito na Universidade de Brasília e recentemente se aposentou como procurador da República. Em entrevista ao jornal “Nossa Ciência”, há poucos dias, ele fez declarações corajosas sobre o Brasil em que vivemos, inclusive no que tange à formação acadêmica jurídica, classificando-a como “distante da realidade”.

O espaço, por curto, não permite transcrever integralmente. Perguntado se o processo, pelo qual o Brasil passou, quebrou a liturgia dos cargos na Justiça e se há concerto quando se rompe a liturgia, ele esclareceu:

“A liturgia do cargo é uma garantia para os atores da Justiça de uma certa intangibilidade. Essa liturgia irradia ao ator da Justiça uma credibilidade, uma certa majestade que, automaticamente, afasta as partes do conflito da pretensão de querer incluir esse ator dentro de seu conflito. O problema é um juiz lidar anualmente com milhares de processos e sempre em cada um desses processos vai haver um frustrado. O magistrado tem a tendência de acumular com o passar do tempo, cada vez mais desafetos, que são aqueles que foram frustrados nas suas pretensões em juízo e, se o magistrado não tiver essa aura de majestade, de responsabilidade que a liturgia do cargo transmite, ele se equiparará às partes em conflito, ele descerá de seu pódio. Então é natural que ele se exponha a ser alvo de violência, porque se ele se comporta feito um moleque, feito um litigante raivoso, ele vai ser tratado como tal e aí acaba levando um tiro na testa, ele arrisca sua integridade física”.

Diante disso, a natural pergunta ao magistrado aposentado é: como deve ser a atuação do juiz? A resposta, que também se publica na íntegra, pode ser analisada: “A liturgia é algo profundamente democrático, porque é um respeito às instituições do Estado de Direito. O magistrado não deve dar opiniões polêmicas, nunca deve falar de público sobre suas causas, porque ele acirra os conflitos, não deve expor as partes, deve cultivar um baixo perfil, a discrição, a tranquilidade, a serenidade. Só assim ele será levado a sério como um juiz imparcial. Infelizmente, no Brasil, o judiciário brasileiro tem uma coisa muito curiosa. Ao mesmo tempo em que ele é, como poder, provido de enormes poderes, muito mais do que qualquer um, comparado com outros juízes, ele é um poder hierarquizado e os juízes são extremamente moderados, se tem um bicho medroso é o tal de juiz, tem medo de desagradar os superiores. Para baixo, ele pisa: para cima, ele faz o salamaleque”.

Medo por que? Não se trata de uma carreira absolutamente respeitável? Eis o que pensa o magistrado:

“É porque todo juiz, em última análise, almeja subir, e subir depende dos seus pares na instância superior; então ele tem que agradar a esses pares; eles, os juízes, acabam sendo permanentemente subalternos. Ao mesmo tempo aqueles que estão no topo da carreira, para chegarem lá, fizeram tanto salamaleque ao longo de sua vida que acabam tendo a coluna vertebral extremamente elástica. Em que eles se miram para lhes dar segurança? Na mídia. É a mídia que faz hoje a imagem do juiz, do magistrado, principalmente em sua cúpula e isso destrói completamente essa ideia de magistrado imparcial. Isso faz com que o magistrado se afaste de sua liturgia para deturpar, deformar essa liturgia em puro autoritarismo, em prepotência, arrogância”. São opiniões severas em nossa época. E são meia dúzia de laudas. Havendo novo espaço. O leitor merece conhecê-las.

 

Por Manoel Hygino dos Santos, 1° tesoureiro da Academia Mineira de Letras, ocupa a cadeira nº 23.