Como pude demorar tanto para começar a ler os livros da escritora carioca Elvira Vigna? Falecida em decorrência de um câncer, em julho passado, aos setenta anos, em São Paulo, ela deixou dez romances, lançados entre 97 e 2016. “Às seis em ponto”, de 98, ganhou o tradicional ‘Prêmio Cidade de Belo Horizonte’ de melhor romance. “Nada a dizer”, de 2010, foi o vencedor do prêmio de melhor obra de ficção, da Academia Brasileira de Letras. Os títulos são sedutores e intrigantes. Relaciono apenas alguns: “Coisas que os homens não entendem”, “A um passo”, “Deixei ele lá e vim”. Antes de buscar o leitor adulto, a autora se dedicou ao público infantil, tendo sido premiada com um Jabuti por “Lã de Umbigo”, de 79. Sua longa carreira como ilustradora também foi parte importante de sua trajetória nas Letras e seguramente influenciou na elaboração de seu texto, habilíssimo na construção das cenas e das imagens.
“O que deu para fazer em matéria de história de amor”, lançado pela Companhia das Letras em 2012, foi finalista do Jabuti e do Prêmio São Paulo. A personagem narradora fala sobre sua relação com uma família de alemães, a qual pertence Roger, de quem é sócia numa galeria de arte. Por meio dela, é possível conhecer a história de Arno, Gunther e Rose, fascinante pelo modo como é engendrada. A linguagem coloquial, próxima da oralidade, e os cenários urbanos de um Brasil do século vinte e um são outros traços marcantes da produção de Elvira, que constrói personagens atordoados pela vida contemporânea e os seus dramas: a solidão, a violência, a dificuldade de comunicação entre as pessoas.
“Como se estivéssemos em palimpsesto de putas”, editado pela Companhia das Letras no ano passado, é o seu último livro publicado, e ganhou o prêmio de melhor romance da Associação Paulista de Críticos de Arte. Por meio de sua leitura, é possível penetrar no universo de Lola, Mariana, João e das inúmeras garotas de programa com quem ele se relaciona, sobretudo em viagens de trabalho. Sofisticada e complexa, a narrativa de Elvira Vigna não é facilmente desvendada. Muitas vezes vem cifrada, estimulando o leitor a participar de um viciante jogo em torno do texto literário, como costumam fazer os grandes mestres, aqueles que ficarão. Leio na internet que a autora ainda deixou três livros inéditos. Tomara que venham logo a público.
Rogério Tavares é formado em Direito na UFMG, em Jornalismo na PUC Minas
e ocupa a cadeira n° 8 da AML.