Meus primeiros momentos com a poesia firmaram-se sobre fotos. Procurava extrair da lembrança o que de mais significativo guardara. Naquele dia, diante da folha de papel à espera da palavra, encetei uma viagem através do tempo até aquele longínquo instante do suposto “flash”.
Ali, frente a frente com a imagem fotografada e que ficara gravada em minha retina ainda jovem, enfileirei os pensamentos/versos que reproduziam aquele momento de minha infância: a ausência do meu pai, não vista, mas sentida; naquela hora, cavalgando e campeando, na faina diária da fazenda; minha mãe sempre sentada cosendo, atenta ao filho menor, dormindo no berço; fora de foco, lendo uma história muito longa, de um Robinson Crusoé perdido em terras estranhas, eu, menino sozinho, entre mangueiras conhecidas. Na roça, mosca é mosquito, razão de não haver se preocupado minha mãe com o inseto no berço do meu irmão pequeno. Minha mãe só exigia que me calasse, porque eu sabia que tinha esta finalidade a advertência com o seu “psiu”.
Ainda há pouco, a voz familiar da velha que fazia um café gostoso, bom e preto que nem ela, chamava para o lanche do meio-dia branco de luz; meus ouvidos guardaram bem guardados o som e o carinho daquela voz que me ninara, e que foi trazida dos longes da senzala; o horário parecia estranho para quem não sabe que a refeição principal era servida antes de o meu pai montar a cavalo e sair para campear no mato sem fim da fazenda; o hábito sertanejo vigora ainda hoje; minha mãe permanecia sentada, cosendo; quando em vez, deixava, como agora, transparecer seu estado de espírito, tristonho, ao exalar um suspiro fundo, muito fundo, que me calava doído no peito.
Eu lia e lia a história que não se acaba mais do homem perdido, sozinho no seu mundo; “só não sabia que a minha história era mais bonita que a de Robinson Crusoé” porque a minha história estava sendo contada por um poeta.
Carmen Schneider Guimarães – Escritora/Presidente emérita da AFEMIL – Acadêmica da AML, ocupa a cadeira nº 5.