Dedico o texto à memória de José Bento Teixeira de Salles, saudoso luziense, amigo e acadêmico.

O Mosteiro de Nossa Senhora da Conceição de Macaúbas, em Santa Luzia, está definitivamente inscrito entre os monumentos de maior grandeza na história de Minas Gerais e ocupa singular posição entre os locais onde se entrecruzaram os olhares da fé, da religiosidade e da instrução dos mineiros, ou especialmente, das mineiras. Minas é estado feminino em substantivo. Se na ação dos grandes homens que abriram os vales e percorreram inóspitos caminhos é que encontramos a implantação da civilização mineira, é na figura das mulheres que nos detemos às ações mais expressivas para a constituição efetiva da pátria Minas.

Estabelecendo a ligação dos mundos humano e espiritual, o monastério está implantado no sopé do morro, em aprazível sítio natural em que se destacam as palmeiras macaúbas que deram nome ao primeiro recolhimento feminino implantado em Minas. Relembramos o viajante Richard Burton, que lá esteve pelos idos de 1867 e definiu o grande prédio, assim que avistado após a tortuosidade natural imposta ao lendário Rio das Velhas: “Uma outra curva revelava agora algumas linhas brancas entre a faixa de árvores do rio e um morro em face do este: era Macaúbas das Freiras”.

O Mosteiro de Macaúbas entrou em 2014 para o grupo de instituições e localidades que completam o seu tricentenário na segunda década do século 21, comprovações do início das Minas Gerais. Em 1711, a criação das primeiras vilas: Vila do Ribeirão de Nossa Senhora do Carmo (Mariana), Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar (Ouro Preto) e Vila Real de Nossa Senhora da Conceição do Sabarabussu (Sabará). Em 1713, a construção da Catedral Basílica de Nossa Senhora da Assunção, em Mariana. Em 12 de agosto de 1714, o início da construção da primeira ermida e casa das recolhidas de Macaúbas, no caminho dos currais do sertão do rio São Francisco.

Implantado inicialmente às margens do Velhas e do Rio Vermelho, Macaúbas é espaço ininterrupto de profissão da fé cristã e atravessou os três últimos séculos sob a inspiração e proteção da Imaculada Conceição. No conturbado século da tecnologia, é um convite à percepção do espaço do sagrado e místico, distante dos vícios e dos pecados capitais.

Macaúbas foi fundado por Félix da Costa, um ermitão que, vindo de Penedo, Alagoas, teve uma visão na Barra do Guaicuí de um monge com vestes brancas e escapulário azul. Descrevendo a visão ao bispo do Rio de Janeiro Dom Frei Francisco de São Jerônimo, Félix foi esclarecido de que se tratava do hábito de Nossa Senhora da Conceição e assim lhe concederam a licença necessária para a construção da ermida dedicada à Virgem Imaculada. Com a permissão, Félix percorre as estradas dos sertões, com um oratório ao pescoço em busca dos recursos necessários para erguer a ermida, espaço solitário, mas profundamente irradiador de fé. O local se constituiu como o Recolhimento de Nossa Senhora da Conceição do Monte Alegre das Macaúbas, em referência ao pequeno monte onde foi implantado, e as recolhidas passaram a seguir normas de vida religiosa praticando exercícios espirituais. É necessário lembrar que durante o período colonial não poderia haver instalação de ordens religiosas em Minas, sob alegação de contrariar os interesses da Coroa Portuguesa, que temia o contrabando do ouro por essas instituições.

O recolhimento se desenvolveu e ganhou admiração e acompanhamento dos bispos do Rio de Janeiro, a quem estava subordinado eclesiasticamente o território mineiro. Em 1727, o bispo Dom Antônio Guadalupe autorizou a construção de um novo prédio, o atual, que teve suas principais obras realizadas entre 1733 e 1743, quando ocorre a transferência das recolhidas. O recolhimento logo teve suas atribuições ampliadas para o funcionamento de um educandário, um dos primeiros

femininos de Minas Gerais, e que pôde acolher as filhas e esposas de maridos ausentes. Nos espaços enclausurados viveram moças de repercussão na sociedade, como as filhas do contratador de diamantes João Fernandes de Oliveira com a escrava liberta Francisca da Silva, a Chica da Silva. Aliás, de João Fernandes o recolhimento recebe o decisivo patrocínio para construção de uma ala que ainda conserva as origens em seu nome: a Ala do Serro, com casa anexa destinada à estada de Chica da Silva durante suas visitas às filhas.

O local recebeu a licença e a proteção da Rainha de Portugal, Dona Maria I, em 1789, e teve as atividades educacionais devidamente licenciadas a partir de 1847, quando passa a efetivamente funcionar o Colégio das Macaúbas, de fama e prestígio até o início do século 20.

Entre as suas alunas, a mãe do poeta maior, Carlos Drummond de Andrade, Dona Julieta Augusta. Por lá eram ministradas as lições das “Primeiras Letras, Doutrina Christã, Civilidade, Grammatica Portugueza, Traducção, Leitura e Escripturação de Francez, Elementos de Geographia, Musica Vocal e Instrumental de Piano, Costuras, Bordados, Flores e mais obras de mãos e outros trabalhos domesticos proprios do sexo e compativeis com a idade”. Com a vinda para Minas de congregações estrangeiras mais experientes na prática educativa, o colégio foi fechado.

Como todas as paragens de Minas, Macaúbas também conserva nomes de expressão que participaram de sua história como Madre Antônia da Conceição, responsável pelas obras do segundo recolhimento, Ignacio Correa Pamplona, patrocinador da construção da Ala Pamplona, padre Manuel Dias da Costa Lana, procurador do recolhimento, que obtém o reconhecimento pela Coroa portuguesa, padre Antonio Affonso de Moraes Torres, com trabalho decisivo na organização do colégio, padre Joaquim de Oliveira Lana, virtuoso capelão e diretor do convento.

No século 19, uma figura mística chegou a Macaúbas, vinda da Serra da Piedade: a Irmã Germana da Purificação (1782-1856) que, entre as noites de quinta e sexta-feira, no período de 48 horas, vivia o êxtase da crucificação. Já no século 20, os espaços claustrais receberam a presença da Irmã Maria da Glória do Coração Eucarístico (1903-1986), considerada por muitos como “Santa de Macaúbas”, figura importante no processo de beatificação de outro santo, o beato Padre Eustáquio. Centenas de relatos a credenciam às glórias dos altares em processo que um dia deverá ser devidamente conduzido pelas autoridades eclesiásticas em reconhecimento à Irmã que acolheu, orientou e acalmou almas que foram ao seu encontro e tiveram oportunidade de sentir o perfume das rosas que exalava de seu quarto.

A ermida e o recolhimento primitivos não existem mais. Mas a fé e o signo inspirador ainda estão presentes em Macaúbas com a presença das monjas concepcionistas da Ordem da Imaculada Conceição, fundada em Toledo, na Espanha, em 1484, por Santa Beatriz da Silva e Menezes.

Com o encerramento das atividades do colégio, sua transformação em um mosteiro foi a solução apontada pelo então arcebispo de Belo Horizonte Dom Antônio dos Santos Cabral. Em 1933, a conversão do espaço manteve preservada a origem da devoção de Félix da Costa.

Considerado o primeiro santuário de origem eremítica de Minas Gerais por José Ferreira Carrato, Macaúbas tem como correspondentes o Santuário da Serra da Piedade, construído a partir de 1767, e o Santuário do Caraça, iniciado por volta de 1770, igualmente erigidos por figuras míticas. No acolhimento às mulheres, somente um congênere: a Casa da Oração do Vale das Lágrimas, implantada em 1750, no Vale do Jequitinhonha, às margens do rio Araçuaí, na freguesia de Itacambira, a noroeste da vila de Minas Novas.

Monumento religioso, histórico, artístico, cultural e paisagístico de grande importância, o Mosteiro de Macaúbas foi tombado em 1963 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e, em 1978, pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA/MG).

O dia a dia da fé

As irmãs concepcionistas franciscanas professam os conselhos evangélicos de obediência, sem posses e em castidade, em comunhão fraterna e em perpétua clausura. A Ordem é contemplativa e as irmãs seguem horários fixos de orações que se iniciam diariamente às 5h30min e terminam às 20h. Durante todo o dia, cada irmã tem suas funções na administração e serviços da casa, aliando suas atividades aos horários de orações que relembram passagens da vida de Cristo. A clausura, que

significa a renúncia da presença física da irmã no mundo, é um dos votos que as irmãs professam e simboliza uma comunhão maior, mais aprofundada. Na OIC, a clausura é uma opção de silêncio que facilita a oração, a ordem, a paz e a unidade da pessoa para buscar e encontrar Deus. Por isso, as áreas internas do Mosteiro são inacessíveis e só são permitidos acessos para o desempenho de atividades profissionais que visem à preservação e reparos no prédio. Para a implantação da Casa de

Retiro Santa Beatriz, a porção direita do prédio foi desligada da área da clausura, e o contato com as irmãs se dá nas salas do locutório, em que as irmãs se posicionam por trás de uma grade de treliça.

Às irmãs de Macaúbas se deve todo o trabalho de preservação de um dos patrimônios mais significativos e belos do estado, em dimensões extraordinárias que impressionam qualquer olhar incauto. Macaúbas foi salva das ruínas a partir de 1980, pelo trabalho incansável das irmãs e do dedicado empenho dos seus trabalhadores. Por lá, as máquinas da marcenaria ainda não foram desligadas, o que significa que a manutenção é rotineira e eficiente para preservação desse notável patrimônio cultural mineiro.

As comemorações do tricentenário

As festividades em Macaúbas contaram com o apoio cultural do IEPHA/MG, que colaborou com as irmãs na preparação do programa do tricentenário e de várias instituições culturais, comerciais e por uma grande rede de amigos que colaboraram com recursos financeiros e ações articuladas que garantiram várias providências como a pintura externa do prédio, a iluminação pública dos jardins, a restauração de imagens sacras e documentos antigos, jardinagem da área externa, lançamento de livros, medalha do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais e selo comemorativo pelos Correios, além de uma exposição reunindo diversos registros materiais de sua história.

Para marcar a significativa presença de Macaúbas no contexto religioso e cultural do estado, foram convidadas personalidades para serem os oradores dessa rica história. Na abertura das comemorações participou a juíza federal Sônia Diniz Viana, que relembrou a fundação do recolhimento e o trabalho do fundador Félix da Costa. No dia 6 de dezembro, após missa celebrada em latim pelo monsenhor Raul Motta, de Caratinga, a professora e advogada Lúcia Massara destacou a presença de Macaúbas como local da prática das virtudes. No dia 7, após celebração do cardeal Dom Serafim Fernandes de Araújo, o ex-governador de Minas Gerais e senador eleito Antonio Anastasia relembrou os momentos marcantes da história do recolhimento no contexto da história do Estado e destacou o empenho das irmãs para a preservação do grande patrimônio cultural. No dia 8, data comemorativa do tricentenário – dia dedicado à Imaculada Conceição – uma celebração cívica, acompanhada do pronunciamento do então presidente do Instituto Brasileiro de Museus, atual secretário de Estado de Cultura de Minas Gerais, acadêmico Angelo Oswaldo de Araújo Santos, marcou o início das festividades que contaram ainda com celebração do arcebispo metropolitano de BH, acadêmico Dom Walmor Oliveira de Azevedo. Os discursos pronunciados por Lúcia Massara e Angelo Oswaldo poderão ser lidos nas páginas desta edição da Revista da Academia Mineira de Letras, como parte dessa homenagem que a Casa de Alphonsus presta ao agora tricentenário Mosteiro de Macaúbas, símbolo da religião e da educação em Minas.

por Adalberto Andrade Mateus
Jornalista, servidor de carreira do IEPHA/MG. Coordenou, com as irmãs concepcionistas, a programação religiosa-cultural do tricentenário do Mosteiro de Macaúbas. Natural de Santa Luzia. Texto publicado na Revista da Academia Mineira de Letras  | ANO 93º – Volume LXXI – 2015