Resenha de “Vila Vermelho”, de Jeter Neves

 

Francisco de Morais Mendes

 

Vencedor do Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura, “Vila Vermelho” (Editora Record), do mineiro Jeter Neves, confirma a tese de que o ciúme e a inveja talvez movam a humanidade mais do que aquilo que supomos ser as grandes causas da história. Isso porque talvez deixemos de ver os pequenos gestos e sentimentos que estão por trás das grandes causas. É o que este primoroso  romance nos revela com sua escrita fluente, enxuta e precisa. E mostra também que algumas palavras custam caro.

O narrador é Caburé, um homem bem-sucedido que divide a humanidade em vencedores e perdedores. Voltando à terra natal por conta de uma informação errada que recebeu, ele vai ao encontro de seu professor de português, acamado e impedido de falar, mas não de ouvir. A ele Caburé relata a história de sua vida, que se confunde com a da Vila e de seus personagens marcantes, como seu amigo e marinheiro Mário; Isadora, sua paixão; os inesquecíveis gêmeos Tié e Taú; Albertina, seu Giuseppe, a mãe de narrador e outros.

A época é a da transformação de um país agrícola que se urbaniza rápida e violentamente. Um tempo marcado pelo rock´n´roll, pela bossa nova e pela guerra fria. A narrativa alcança um período que vai dos anos 1950 até o presente do narrador, no ano 2000. Durante os sete dias em que visita o professor, Caburé costura a história que se torna um ajuste de contas com seus desejos e contradições. A memória flui como o curso de um rio, com suas corredeiras e remansos.

A Vila Vermelho, nas palavras de Adriane Garcia, é um daqueles lugares que o leitor não esquece, que passa a ser parte da sua geografia pessoal, como a Olhos D´água de Maria Valéria Rezende, como a Comala de Juan Rulfo.

 

trecho:

 

“Há dois ou três dias eu falava dos livros que o Mário me deu. Falava de dois em especial, Macunaíma e Vidas Secas. Para ele, esses dois eram o antídoto seguro contra a alienação — será que esta palavra ainda está  em uso? Mas o que eu gostava mesmo era de ler A Ilha do Tesouro, Moby Dick e Robinson Crusoé. E continuei a gostar deles em segredo, mas fingia gostar dos outros porque isso me deixa bem com o Mário e com Isadora. Porém, o livro que mais me incomodou, isso eu não contei, foi São Bernardo. Mário queria me dizer alguma coisa quando me deu este livro.”

 

Francisco de Morais Mendes é contista, autor de Sacrifício e outros contos (Gato Bravo, Lisboa, 2019), Onde terminam os dias (7Letras, Rio de Janeiro, 2011) e outros livros.