Sobre o livro disse a professora Marieta de Moraes Ferreira, titular do Instituto de História da UFRJ, pesquisadora do CNPQ: “Nos últimos anos têm sido crescentes os debates sobre o lugar da História nas sociedades contemporâneas. Questões acerca do ensino de história, da produção do conhecimento histórico, da natureza do ofício de historiador e de seu papel diante das demandas sociais são temas que têm mobilizado diferentes setores da sociedade brasileira. Nesse âmbito, são recorrentes as perguntas: qual o lugar da história no mundo contemporâneo? O que ensinar? Como ensinar? O ensino de história pode ser ‘neutro’? Essas perguntas têm instigado a comunidade de professores e historiadores, e as respostas apresentadas expressam significativas divergências. Um elemento adicional para o exercício da prática docente são as críticas de setores conservadores que visam cercear a liberdade de ensinar, impactando especialmente o ensino de história. Nesse contexto, o livro “Por que estudar história”, do professor Caio Boschi, apresenta-se como contribuição de grande relevância. Dividido em cinco capítulos, a obra apresenta um conjunto de temas e informações referente à construção do conhecimento histórico, ao conceito e uso das fontes, aos métodos de pesquisa e à importância da história para garantir a permanência de valores universais como democracia, direitos humanos e respeito às minorias. O trabalho de Caio Boschi chega como um reforço às discussões concernentes ao papel da história ao defender a importância da disciplina dentro de uma sociedade saturada em informações e testemunha de rápidas e desnorteantes mudanças”. Se a história não nos auxiliasse em mais nada, só o fato de nos ensinar a respeitar quem é diferente de nós já seria motivo suficiente para nos dedicarmos a estudá-la, pois quando somos capazes de perceber nosso passado histórico, temos condições de agir sobre a realidade.
Em cinco grandes temas, Caio Boschi agrupou ampla reflexão sobre o que nos torna sujeitos históricos, agentes de nossa história: o sentido da História, a História e sua construção, o tempo histórico, combates pela história, Memória e identidade. “Estudamos História para conhecer e transformar a vida, a nossa vida, a vida presente”, conclui. Cada um dos capítulos desenvolve esses grandes temas.
Em O sentido da História, a ideia de historicidade nos ajuda a desnaturalizar as coisas e a perceber a ação humana através do tempo, entender como o mundo se tornou o que é e não algo diferente. Mais do que encontrar respostas, estudar História é aprender a fazer perguntas. O ensino da História não significa apenas a busca de cultura ou de um conhecimento genérico, mas compreender melhor a realidade na qual o dia a dia se insere. Isso permite, ainda, promover a transformação da percepção dos fatos, de modo a emitir opiniões, de buscar explicação e sentido para uma série de questões que nos inquietam, mantendo com o passado uma relação ativa. É necessário reconhecer também que História é vida. Não há nela nada de parado ou estático – é um processo permanente de mudança, de transformação. O ponto de partida da História é sempre o presente – para entendê-lo, preservar o que ele tem de bom ou transformá-lo.
No segundo capítulo – A História e sua construção – é abordada a produção do saber histórico, pressupondo que os fatos em si não constituem a História, mas são referências que orientam a interpretação da realidade, considerando seu contexto, as fontes consultadas, a problematização, ou seja, as questões que esse estudo suscita. Nesse ponto a literatura também constitui uma fonte complementar, à medida que ajuda a preencher certas lacunas do conhecimento histórico. A literatura auxilia o historiador a repensar e a ampliar o leque de seus questionamentos sobre a realidade.
O tempo histórico, tratado no terceiro capítulo, abrange uma série de dimensões simultâneas, que se interpenetram e se sobrepõem, envolvendo ainda permanente mudança. O tempo histórico não é linear, mas múltiplo. Falar dele significa falar de permanências e mudanças e de diferenças e semelhanças. Outro conceito que emerge, nesse capítulo, é o da periodização da História, utilizada para facilitar a compreensão de uma totalidade, mas fixada arbitrariamente por uma convenção, sendo, portanto, subjetiva. O quarto capítulo é dedicado a estudar os Combates pela História, buscando identificar como determinados agentes ou setores da sociedade se apropriam do poder e o utilizam para manter seus privilégios. Tanto é verdade que uma das primeiras providências dos novos governantes, após uma ruptura radical da ordem constituída – como no caso de uma revolução ou de um golpe de Estado – é procurar alterar os conteúdos e as interpretações da História ensinada nas escolas e adequá-los à nova ordem. O passado é reinterpretado de modo a legitimar a nova elite dirigente. Para realizar tal operação, é comum promover-se a substituição de manuais escolares e exercer forte pressão sobre os professores, que, para permanecerem em suas funções, devem se subordinar a novos parâmetros e diretrizes pedagógicas. No mesmo capítulo o autor aborda a figura do herói, mostrando que compreender ou analisar a História com enfoque nas pessoas dos líderes ou das lideranças que emergem ou se destacam em determinadas situações é uma distorção, pois não há indivíduos predestinados na História. Está aí também tratada a relação entre História e cidadania, à medida que o estudo da História serve de instrumento de libertação e ampliação da consciência, inclusive sobre os direitos humanos, porque tal conhecimento nos permite interferir na ação do Estado e limitar seus desmandos, ao mesmo tempo em que aprendemos a ser mais solidários e a repudiar as injustiças.
O quinto capítulo se debruça sobre a Memória e identidade. Nestes tempos de globalização, a História é ferramenta indispensável para nos ajudar a entender como surgem e se expressam os valores locais, regionais e nacionais, ligados diretamente à consciência histórica da sociedade. Esse sentimento de identidade não é constante – ele ganha impulso e une as pessoas principalmente em momentos de crise. Vale ressaltar que cultivar a identidade não significa evitar o convívio com os outros. Ao contrário: quanto mais conhecemos nossos valores e tradições, mais estimulante deve ser a interação com culturas diferentes da nossa. Ao lado dessa perspectiva emerge a noção de espaço – lugares em que vivemos nossas experiências e que se incorporam à nossa memória pessoal e grupal. Diariamente acionamos nossos registros mentais para recordar dados ou imagens do passado. É o que se chama memória. Como é fácil deduzir, a memória tem uma relação direta com a construção de nossa História, seja ela pessoal ou coletiva.
O autor aborda, finalmente, a relação entre História e Utopia, considerando esta não como um ideal inatingível, mas uma possibilidade de manter viva a esperança. “Ontem semeamos a realidade de hoje, hoje semeamos a de amanhã. A História pode nos ajudar a realizar esta semeadura com lucidez, anunciando um futuro mais justo e fraterno”, diz o historiador.