Nesta terrível temporada da pandemia que assola o mundo, temos tido belos exemplos de solidariedade, de ajuda de todos os tipos, de mutirões  voluntários para amenizar o sofrimento. O egoísmo tem dado lugar ao heroísmo em benefício do próximo. Vem, assim,  em boa hora a oportuna iniciativa do Presidente da Academia Mineira de Letras, escritor e professor Rogério Faria Tavares, de solicitar aos membros da Casa a indicação de bons livros para serem lidos neste tempo de exílio forçado, através  do site e do Facebook  da  nossa tradicional  agremiação. Foi a mensagem que recebi de Gabriella  Pawlowski , estagiária da área de comunicação da Academia a que tenho a honra de pertencer desde 1995, sucedendo ao consagrado  Cyro dos Anjos ( primeiro Presidente da  Associação Nacional de Escritores-ANE, hoje presidida por Fabio de Sousa Coutinho)  na cadeira nº 1. Presidia a  Academia  ( hoje com 110 anos) o saudoso benemérito Vivaldi Moreira, mais tarde  justamente  aclamado  Presidente Perpétuo, graças à sua dedicação e fecundo trabalho.

Ofereço minha modesta contribuição.

Sempre gostei muito de livros de crônicas, memórias, biografias, até diários, e também de contos e romances de aventuras. O  que não dispensa um Machado de Assis, um Flaubert, um Stendhal, um Vitorino Nemésio, um Luís Forjaz Trigueiros, Eduardo Frieiro,  Ítalo Calvino, Borges, Isaac Bashevis Singer, Umberto Eco, Gabriel  García Marquez, aqueles  notáveis  russos, Thomas Merton,  Carlos Fuentes, Naguib  Mahfouz (o egípcio ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1988,  autor de “Noites  das  mil  e uma  noites”), Rachel de Queiroz, tantos outros. Em especial nossa rica literatura brasileira, como vocês sabem. Bibliotecas e livrarias  (e sebos !), estantes virtuais : são  um nunca  acabar. Ainda bem.

Mas, nesses tristes dias de pandemia de coronavírus (covid-19), de confinamento social, permitam-me sugerir  uma leitura mais leve, mais amena, posto que muito interessante e  sedutora.

Para começar, crônicas, um dos gêneros de minha predileção, um rio que corre desde o Império, com o já citado Machado ( o  amado Bruxo do Cosme Velho) , Alencar, Raul Pompéia, Francisco Otaviano de Almeida Rosa, Lima Barreto,  João do Rio, Bilac, Vicente de Carvalho ( também poeta), tantos outros, chegando a Carlos Drummond, Bandeira, Rubem Braga, Elsie Lessa, Paulo Mendes Campos, Vivaldo Coaracy, Alberto  Deodato, José Bento Teixeira de Salles, mais outros tantos. Recomendo abrirem o Portal da Crônica  Brasileira, na internet, recentemente criado em São Paulo  pelo belorizontino  Humberto Werneck e uma equipe de primeira linha.

Não esperem deste modesto cronista  uma vistosa relação erudita e sofisticada. Não destacarei nenhuma obra específica da nossa  admirável literatura brasileira. Cometeria injustiças, destacando uns e olvidando outros. E  nada de Plutarco, Suetônio, Tácito, Tito Lívio, Júlio César, Cícero, Thomas  Carlyle, Edward Gibbon  ou Mommsen, ligados ao mundo da História, minha paixão.  Sou navegador de pequeno  curso, de cabotagem, de beira-mar. Aqui e agora, abro  minha lista com “As minas do Rei Salomão”, de Henry  Ridder  Haggard, que encanta jovens, adultos e idosos, como eu, avô de quatro netos. Os leitores de “As minas do Rei Salomão” caminham penosamente   em busca do tesouro  real no misterioso  e mágico  coração da África, paraíso que seduziu  Hemingway, deslumbrado com as neves do monte Kilimandjaro. “As minas do Rei Salomão” virou filme duas ou três vezes. Já li o livro umas três ou quatro  vezes, em diferentes trasduções para o nosso vernáculo. Eça de Queiroz, cativado,  o traduziu para o português. O livro passa até como obra  dele, em certas errôneas  bibliografias. O  talentoso grande  homem da Póvoa do  Varzim  era apenas um fã da criação do  autor inglês.

Prossigamos com “A ilha do tesouro”, de Robert  Louis Stevenson, e com “Nos  Mares do Sul”, do mesmo autor escocês, que também escreveu “O médico e o monstro”.

Meu  saudoso  amigo  poeta, prosador e acadêmico Lêdo Ivo ( cuja vasta obra  a escritora e acadêmica Elizabeth  Rennó conhece muito  bem) escreveu um livro intitulado  “A  ética da aventura”. Ele  foi  ( como eu e meu velho amigo e confrade acadêmico Pedro Rogério Moreira)  um infatigável  leitor da Coleção Terramarear, da editora Saraiva. Era uma coleção de  livros de aventuras. O escritor alagoano aborda, no capítulo inicial, as famosas  obras aureoladas pela aventura, pelo maravilhoso, pela imaginação, pelo encantatório, saídas das penas de Emilio Salgari, Mayne Reid, Edgard R. Burroughs, Ballantyne, Stevenson, Kipling, Mark  Twain, Jack  London, Ridder Haggard, Fenimore Cooper, Melville. Mas Lêdo Ivo não se esquece de mencionar Proust, Thomas  Wolfe, Dickens, Balzac e o nosso  grande  escritor  cearense  José de Alencar.

Lêdo Ivo ( que foi membro da Academia Brasileira de Letras e da Academia de Letras do Brasil, esta  fundada em Brasília em 1987) poderia enriquecer sua narrativa mencionando Daniel Defoe, que maravilhou o mundo com  “Robinson  Crusoé”, “Os amores de Moll  Flanders”, “Uma história dos  piratas” e … ( cruz-credo !)  “Diário do ano da peste”.

Nesse capítulo “A ética da aventura” ( que dá título ao livro) , Lêdo Ivo  (1924- 2013)  poderia também acrescentar autores como Sir Arthur Conan Doyle ( o pai de Sherlock Holmes e do fiel  Watson), que escreveu também  “Contos de piratas”.  Presumo que Daniel Defoe, Conan  Doyle e Karl May  não foram contemplados na Coleção Terramarear.

Acabaram ficando  de fora também Jonatham  Swift ( “As viagens de Gulliver”), Sir Walter Scott ( “Ivanhoé”) e outros clássicos de narrativas desse jaez, muitas delas com ensinamentos morais, explícitos ou subliminares.

Escritores dos séculos XVIII e XIX gostavam muito de escrever sobre façanhas de piratas, flibusteiros, bucaneiros, corsários,  reluzentes tesouros escondidos no Caribe,  aventuras oceânicas, galeões carregados de ouro e prata, pau-brasil, papagaios, macacos  e outros animais exóticos, especiarias,etc. E o público adorava (vá lá o verbo sacramental)  essas  histórias excitantes. Já antes, os próprios livros em forma de diários  de Colombo, Vespúcio, Pigafetta e outros navegantes viraram best-sellers.

E nem falamos de  Heródoto, Estrasbão, Marco Polo, Ponce de León, Alvar Nuñez Cabeza de Vaca,  Fernão Mendes Pinto, Capitão James Cook, Fernão Dias Paes Leme, Henry  Stanley, Richard Francis Burton ( o do século XIX), Amundsen, Scott,  nosso bem-aventurado Cândido Rondon.

Para suportar o  forçado recolhimento  caseiro  nesta  amarga  quarentena, permitam a este modesto escriba  também sugerir  a deliciosa fruição da leitura das variadas edições desse livro imortal e monumental  das literaturas persa e árabe que  é “As mil e uma noites”. Um clássico do encantamento e da fantasia. Temos uma impecável, talvez insuperável tradução do  árabe por Mamede Mustafa  Jarouche, professor da USP ( são quatro volumes maravilhosos).

A bela Scherazade, com suas histórias contadas para o poderoso sultão Shahriar,  pode ajudar-nos a tornar nossas  noites de quarentena mais agradáveis e até felizes. “As mil e uma noites”, com ou sem tapetes mágicos: esse clássico  escrínio  de histórias  é um fiel retrato da alma humana, dividida entre o Bem e o Mal, a poesia,  a luz e as trevas. Com sensualidade, humor, suspense e sabedoria. Um livro de muitos autores, escrito durante séculos. Aqueles contos são obras-primas da arte de  contar histórias. Naquele conjunto, os leitores encontrarão  maravilhas, encantamentos, magos, trapaceiros, ladrões, assassinos,  dervixes, princesas, odaliscas, pessoas muito simples do povo,  grão-vizires, eunucos, megeras, tiranos, invejosos. Entre o fantástico e o sobrenatural, terão surpresas, espantos, sustos. Ali,  as  paixões humanas em tumulto. O mundo em que viveu o poderoso sultão Haarum-Al-Rachid.

Ensina-nos o mestre Mamede Mustafa Jarouche, diante da  magia de Bagdá, Kufa, Mossul, Cairo, Damasco e dos mares singrados por Sindabad, o marujo, o navegante :

“São todas narrativas que, a seu modo, discorrem  sobre o homem, suas ambições e seu destino; falam, portanto, a uma vasta gama de seres humanos e sensibilidades, em muitos tempos e lugares, apresentando, enfim, aquela característica tão peculiar não só às Mil e uma noites, mas a  toda grande obra literária: a capacidade de interessar e deleitar, indistintamente, qualquer leitor que ame uma boa história.”

Zuenir Ventura escreveu: “Quem apostou na morte do livro morreu primeiro.” E Michael  Ondaatje, autor de “O paciente inglês”, cunhou esta frase: “O livro é um jantar solitário.”

O tempo dos leitores confinados em casa será  também muito  bem empregado na leitura de duas obras sedutoras e muito bem ilustradas: “Manual dos lugares fantásticos”, de Alberto Manguel e Gianni Guadalupi, e “História das terras e lugares lendários”, de Umberto Eco.

Fé em Deus, saúde, serenidade, esperança, um pouco de meditação  e prazerosa leitura para todos vocês, queridos e pacientes leitores !

 

Brasília, 30 / 4/ 2020.