REFLEXÕES SOBRE O POEMA

Jota Dangelo

 

A pequenos versos, tento o poema que resiste em se fazer inteiro. Vem a pequenos poucos e nunca se completa, como a exigir mais versos e a descartar os feitos. Um fazer que se desfaz, continuamente, mal nasce e já morre, escrita que se apaga, descrita imediata, palavra que se cria e logo se descria, se apaga no rastro de outra que já se vem formando às pequenas sílabas, sem ter certeza alguma de permanência no poema.

A duras penas termino a primeira estrofe. E já a descarto, por imprópria e mal acabada, tosca, grosseira, manca, falha, sem sonoridade verbal e ritmo condizente. A pequenas pausas, entretanto, passado o primeiro impulso e atenuado o desejo de desistir de vez, retomo fragmentos da mesma estrofe, uma palavra aqui, outra ao acaso, busco complementos, adjetivos, faço substituições, e os versos voltam a ter algum sentido, ainda impreciso, mas próximo de algo supostamente alheio à prosa, o que não lhes confere qualquer mérito poético, mas apenas sugere diferente escrita e vaga possibilidade de poema.

O que será que me leva a insistir em ofício tão penoso, quando podia, a pequenos espaços, sorver a vida em fútil conversa, descompromissada tagarelice de botequim? O que me leva a perseguir, tão obcecado, fonemas sonoros, e burilar imagens verbais quando podia, a pequenos risos, abrir-me em festa e aproveitar momentos fugazes de alegria?

O que me leva a buscar o poema impossível se é tão mais viável o simples silêncio, ou a leitura solitária de tantos versos geniais de geniais poetas, eles sim, capazes de me fazer, a pequenos soluços, chorar rios de encanto e fruição?

O poema é mistério que se recusa à revelação por simples inspiração ou prosaica tentativa. Não, não. Não é bastante alinhavar significados, dividir as frases em desordenada progressão de linhas, inventar inusitadas rimas. O poema é fruto de sensível e cerebral orgasmo, algo que sangra ao nascer, que se constrói entre o gozo e a dor, entre a angústia e o prazer, parto de palavras e símbolos que insistem em ficar no abrigo de úteros mentais, recusando-se aos fórceps do puro racionalismo.

O poema é frêmito, estertor, espasmo, relâmpago, brilho, faísca. Captá-lo, portanto, é raro. Por esta razão, a busca infrutífera e, perdido o senso crítico, a medíocre realização gráfica. O poeta é a exceção. O resto é simples tentativa. E hoje, justamente hoje, eu queria tanto a exceção para simplesmente comemorar e exaltar, com um poema, a beleza da poesia… Esbarrei de novo na tentativa. Há que esperar outra ocasião.