“O Paraíso Perdido”, de José Henrique Santos

 

 

Lançado há poucos dias, “O Paraíso Perdido – Ensaios de Reconciliação” (Edições Loyola, 342 páginas) é o mais recente livro de José Henrique Santos, atual ocupante da cadeira de número 18 da Academia Mineira de Letras, para a qual foi eleito na sucessão do professor Arthur Versiani Veloso (que, por  sua vez, sucedeu a outro conhecido intelectual, Abílio Barreto). Professor titular e emérito da UFMG, e o seu Reitor entre 1982 e 1986, José Henrique é mineiro de Paracatu e assina outras obras igualmente importantes, entre as quais se destaca “O trabalho do negativo. Ensaios sobre a fenomenologia do Espírito”, publicado também pelos jesuítas.

A coleção dos onze ensaios de “O Paraíso Perdido” realça a sofisticação e a complexidade do pensamento do autor. O prólogo é uma joia preciosa, que já anuncia a qualidade do que virá. Nesse texto, José Henrique afirma que ‘a palavra é o meio de que dispomos para dizer a verdade. Há, pois, que vencer a mentira e a falsidade a que ela nos pode induzir. O único modo de fazê-lo é torná-la pública, retirando-a da esfera privada, para que outros possam julgá-la’. Mais adiante, conclui: ‘Por outros termos, não existe autocrítica suficiente na reflexão solitária, isto é, no solilóquio; pois quem se fecha em si, nem sequer acerta em distinguir verdade e erro’. A aposta de José Henrique é no diálogo com o leitor e não na enunciação de certezas: ‘Os ensaios não intentam demonstrar uma tese, nem propor algum tipo de crença, – nem mesmo a de uma fé filosófica arrimada à razão; – têm, antes, o propósito de desobstruir os caminhos do espírito e desembaraçá-los de toda teoria preconcebida que force a adesão intelectual’.

O primeiro capítulo de “O Paraíso Perdido” é intitulado “Auschwitz e os limites da razão”. Num planeta que assiste, perplexo e ainda pouco indignado, ao ressurgimento da mensagem fascista e dos delírios neonazistas, aqui e acolá, nada melhor que conhecer a reflexão do filósofo, que destaca o papel insubstituível da escola e da imprensa livre para manter acesa a consciência crítica e resistir ao abuso da propaganda, e ainda, como diriam outros, à proliferação das hoje chamadas fake news. As perguntas que movem José Henrique ao longo de sua exposição mobilizam o leitor: ‘Pode-se conviver com a falta de sentido?’, ‘Como dar dignidade à morte e não perder a razão?’, ‘Que vida é própria do homem?’

O capítulo oito é “Brava gente brasileira”, quando José Henrique se indaga a respeito da trajetória e do futuro do país: ‘Como desenhar um perfil comum, guardando as respectivas diferenças?’ Em diálogo com Mário de Andrade, Gilberto Freyre, Hélio Jaguaribe e João Ubaldo Ribeiro, não foge do debate sobre a terrível desigualdade que marca a nossa sociedade, formulando diagnóstico preciso sobre a situação nacional: ‘A dualidade não encontrou meios eficazes para aproximar os extremos, salvo na retórica dos poderosos. Na verdade, o laço de união dos que dizem ‘nós’ só se fortalece porque se opõe a eles, os deserdados da terra. A identidade é tanto mais forte quanto maior a diferença; ela é sempre a nossa identidade, nunca a deles. Eles, os excluídos, devem manter-se à distância e viver na mais longínqua periferia, sem ameaçar os domínios fechados onde moram a Lei e a Ordem. A ideia de nação abriga, deste modo, a dor e a separação absolutas; ela se nutre de uma cisão interna e profunda’.