O CENTENÁRIO DO MINISTRO OSCAR DIAS CORRÊA
Carlos Mário da Silva Velloso
Comemora-se o centenário de nascimento do ministro Oscar Dias Corrêa, que foi dos maiores juízes do Supremo Tribunal Federal. Quando do seu falecimento, em 2005, lavrei, como presidente do TSE, moção de pesar, anotando que, após a sua formatura na UFMG, passou ao desempenho da advocacia, de par com intensa atividade intelectual. Aos trinta anos de idade, conquistou, em memorável concurso, a cátedra de Economia Política, da Faculdade de Direito da UFMG. Eleito para a Câmara Federal, ainda sediada no Rio de Janeiro, lá passou a residir. Assumiu, então, a cátedra de Economia da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Brasil, hoje UFRJ, após aprovação em concurso. Lecionou também na UERJ.
Seus votos, no Supremo Tribunal, jurídicos, técnicos, fieis à Constituição formal, mas habilidosos na construção jurisprudencial, forte na Constituição substancial, que se assenta na realidade econômica, social, política e sociológica da Nação, lembram o método sociológico de Benjamin Cardoso e Roscoe Pound. Debatedor temido, afirmava, com Bernanos, que “o escândalo não está em dizer a verdade, mas em não dizê-la completa, deixando uma parte em silêncio, pois a omissão, como um câncer, corrói por dentro.” Essa sua maneira de dizer a verdade por inteiro, o destoava, de certa forma, do jeito mineiro de fazer política. Mas não descaracterizava a sua mineiridade. O que acontece é que há mineiros e mineiros, porque, segundo Guimarães Rosa, “Minas Gerais é muitas. São, pelo menos, várias Minas.” E “se são tantas Minas,…uma, será o que a determina,…sendo o mineiro o homem em estado minasgerais.” Oscar era o mineiro nesse estado de espírito que é Minas.
Oscar Corrêa muito amava o Supremo Tribunal Federal. Quando o Tribunal celebrou a judicatura do ministro Gonçalves de Oliveira, que renunciou à presidência do Supremo em protesto pela aposentadoria imposta a três dos seus juízes, por ato ditatorial, assinalei que há aqueles que se contentam apenas em amar. Outros há, entretanto, que fazem desse amor uma alavanca que os impulsiona à ação em defesa do que amam. Essas palavras, que cabiam bem no ministro Gonçalves de Oliveira, cabem, igualmente, no ministro Oscar Corrêa. Não foram raras às vezes em que Oscar, na tribuna da Câmara, nos jornais, no rádio e na televisão, rebateu críticas injustas ao Supremo, ele que proclamava que o seu maior orgulho residia no fato de ter sido juiz do Supremo Tribunal Federal.
Oscar Corrêa escreveu notáveis livros jurídicos, valendo destacar: “A Constituição de 1967”, “A Constituição de 1988”, “A Defesa do Estado de Direito e a Emergência Constitucional”, “O Sistema Político-Econômico do Futuro, o Societarismo”, “O Supremo Tribunal Federal Corte Constitucional do Brasil.” Este livro foi dos primeiros a propugnar pelo Supremo como Corte Constitucional guardiã maior da Constituição.
Oscar foi também político. E político no sentido nobre do termo. Aposentado, em 1989, exerceu e deu realce ao cargo de ministro da Justiça, no governo Sarney. Teve ao seu lado, como secretário particular, o advogado e professor Orlando Vaz Filho, ex-secretário de Educação de Belo Horizonte, membro da Academia Mineira de Letras e que liderou, nos anos 1960, o Diretório Metropolitano da UDN de Belo Horizonte que indicou Oscar Corrêa candidato ao governo de Minas. Participei desse grupo. Éramos jovens advogados.
Ainda moço, o nosso homenageado iniciou-se no serviço da causa pública. Com Milton Campos, Pedro Aleixo, Afonso Arinos de Melo Franco, Guilherme Machado, Alberto Deodato, Paulo Pinheiro Chagas, Magalhães Pinto, João Franzem de Lima, Abílio Machado, Carlos Horta Pereira, dentre outros eminentes homens públicos, foi um dos fundadores da União Democrática Nacional, a UDN.
Secretário de Estado da Educação, registrei em artigo, elaborou, com um pugilo de intelectuais, o plano estadual de educação. Deputado Federal em mais de uma legislatura, afastou-se da política partidária quando da extinção da UDN e porque não concordara com o ato institucional que investira o Congresso de poder constituinte originário. Somente o povo, titular do poder, poderia fazê-lo, declarou Oscar no discurso em que se despediu da Câmara.
Escreveu notáveis obras literárias, dentre as quais o romance histórico-político, “Brasílio”, que causou polêmica. E mais: “Vultos e Retratos”, “Vozes de Minas”, “Quase Ficção”. Traduziu a “Divina Comédia”, de Dante Aliguieri. Foi membro da Academia Brasileira de Letras, da Academia Mineira de Letras, da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, da Academia Internacional de Direito e Economia.
Advogado, jurista, membro do Conselho Federal da OAB, que fez da ética o norte de sua vida, ministro do Supremo Tribunal Federal, Oscar foi um mundo. De cultura francesa, as obras dos seus grandes autores eram lhe familiares. E a cultura italiana não lhe era estranha. Mas Oscar nunca perdeu a mineiridade, fiel à sentença do Tristão de Athayde, de que “o mineiro leva consigo o seu arraial, como amuleto contra as conjurações do progresso.”
Assim foi Oscar Dias Correa, político, intelectual, escritor, jurista, juiz, um cidadão exemplar.
Publicado em “O Estado de S. Paulo”, 26.02.2021, caderno A, p. 2.