O escritor Wander Melo Miranda não é um iniciante no mundo acadêmico, tendo ensinado Teoria da Literatura e Literatura Comparada na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e sido professor emérito da Faculdade de Letras da mesma instituição, além de professor visitante em escolas de países como Argentina, Uruguai, Estados Unidos e Itália. A academia em que ele acaba de entrar é outra, com número de cadeira, retrato na parede e reuniões constantes para discutir um assunto que pautou boa parte da carreira de Miranda: a literatura. Desde 10 de dezembro, ele se tornou o titular do assento 7, fundado por Avelino Fóscolo, na Academia Mineira de Letras, reconhecimento a um trabalho dedicado ao estudo de quem também passou pela Academia, como Guimarães Rosa, Graciliano Ramos e Henriqueta Lisboa. Os dois últimos, por sinal, são tema de livros que lançará em breve. Nesta entrevista ao Hoje em Dia, o autor de 67 anos comenta o estado atual da cultura no país e a importância das artes para a formação de uma nação. “Um país não existe como nação sem uma cultura livre, sem um pensamento livre, sem uma arte livre”, assinala.
Você observou recentemente que a literatura é uma espécie de manual de sobrevivência em tempos difíceis. Como continuar produzindo cultura quando os recursos para o setor estão sendo reduzidos?
É aproveitar o que já foi feito. Os recursos estão minguados, há uma espécie de censura no ar e o modo mais fácil de sobreviver é recorrer ao que nós temos, ao nosso patrimônio cultura, que é enorme. É ler um livro, ver as peças de teatro que ainda estão em cartaz, assistir aos filmes, dos clássicos aos contemporâneos, filmes. A literatura é a arma mais poderosa, porque depende de poucos recursos financeiros. Quanto maior a dificuldade, maior tem que ser nossa resistência. Passamos períodos muito difíceis durante a ditadura, mas a cultura brasileira conseguiu sobrevivendo atuante e firme. Não é desta vez que vamos esmorecer por ações obscurantistas.
No livro “Nações Literárias”, lançado em 2010, o senhor já afirmava que a cultura contribui fortemente para a construção de uma nação. Como se dá esta contribuição?
Um país não existe como nação sem uma cultura livre, sem um pensamento livre, sem uma arte livre. Não são os políticos, as leis apenas. Quem forma uma nação é o povo e a cultura a produz. Sem isso, um país não se diferencia dos demais no panorama global. Cultura é sempre investimento. Esses políticos que falam que cultura é um gasto inútil não querem que as pessoas exerçam a plena liberdade de sua cidadania. A plena liberdade só se adquire numa nação livre e democrática, com uma cultura plural. Sem esse pluralismo, é impossível a uma nação sobreviver e ter uma identidade própria. A cultura não pode vir de um único pensamento, mas de vários tipos e artes.
O autor, professor e tradutor assumiu, no mês passado, a cadeira número 7 da Academia Mineira de Letras, que já foi ocupada por Eduardo Frieiro, Austen Amaro e João Bosco Murta Lages
Neste contexto, como é ganhar um assento na Academia Mineira de Letras?
É fazer parte de uma instituição centenária que promove a literatura e que abriga e abrigou nomes valiosos de Minas e do Brasil. É o reconhecimento de um trabalho como professor de literatura e crítico literário. Participar das reuniões tem sido estimulante e muito agradável. Há muitos projetos em desenvolvimento e para serem desenvolvidos. Espero participar de alguns deles.
Você é um especialista em Graciliano Ramos, com dois livros publicados sobre o escritor alagoano (“Corpos escritos: Graciliano Ramos e Silviano Santiago” e “Graciliano Ramos), além de outro no prelo. O que lhe atrai na obra do autor de “Vidas Secas”?
Ele é o maior escritor em língua portuguesa, de estilo inimitável e dono de um comportamento ético, evidenciando uma coerência política muito grande que faz falta no momento atual. Há nele um compromisso com o outro, um exemplo a ser seguido, mas que hoje não acontece.
Quais os principais ingredientes da biografia sobre o Velho Graça que você lançará pela Companhia das Letras?
O trabalho é resultado de muitas décadas de estudo sobre Graciliano. O livro está sendo construído a partir das obras dele, como os romances, as crônicas, os contos e as críticas literárias, evidenciando a importância dele para o país. O mais importante de tudo é notar a atualidade dele. Graciliano trata de problemas que nos afligem e que continuarão a nos preocupar ainda por muitos anos.
Você também prepara, ao lado de Reinaldo Marques, a reunião de toda a obra de Henriqueta Lisboa em pro[/ENTR_PERG][ENTR_PERG]sa e verso. Quando este trabalho será publicado?
Deve sair este ano pela editora Peirópolis. Ela é uma das poetas mais importantes do país. Muito antes de Rachel de Queiroz se tornar a primeira imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL), em 1977, ela se tornara membro da Academia Mineira de Letras, em 1963. Pela primeira vez, vamos reunir as críticas literárias que ela produziu, que exibem uma sensibilidade crítica incomum. É surpreendente reler estes textos e notar o alto nível deles.
Atualmente, Miranda trabalha na biografia de Graciliano Ramos para a Companhia das Letras, e organiza, junto com Reinaldo Marques, toda a obra em prosa e verso de Henriqueta Lisboa, para a editora Peirópolis
Como foi a experiência de dirigir uma editora universitária, a da UFMG, por 16 anos, de 2000 a 2015?
Fazer literatura não é só escrever. Tem que publicar também. Foi muito bom estar do outro lado, podendo ver como uma publicação se desenvolve, principalmente numa editora que é considerada uma das importantes do Brasil. O que eu e minha equipe buscamos fazer foi, primeiro de tudo, manter a editora atualizada com o que de melhor se publicava nas áreas das Ciências Humanas e das Artes, no Brasil e no exterior. Durante este período, lançamos livros que pautaram determinados debates importantes, como traduções de vários autores internacionais que hoje são estudados nas universidades e motivo de atenção de pesquisadores das mais diversas áreas das Ciências Humanas.
Outro tema muito estudado pelo senhor é a crítica literária. Como vê hoje o espaço dedicado à crítica no país?
Os dois primeiros textos do meu livro “Os olhos de Diadorim e Outros Ensaios” tratam desta questão do lugar ocupado pela crítica na atualidade, destacando o que vem sendo produzido nas universidades, em razão dos muitos cursos de pós-graduação na área de Letras. O resultado é uma produção de alto nível teórico e crítico. Claro que o mercado para este tipo de crítica é pequeno e especializado, ficando restrito a um ambiente universitário. As grandes editoras comerciais não publicam este tipo de trabalho. Nos jornais, houve uma perda de espaço, mas surgiram outras possibilidades, como grupos literários e slams, produzidos nas periferias das grandes cidades, que aumentaram a circulação. Com isso, há hoje várias definições e formas de abordagem da literatura.
Entrevista concedida ao jornal Hoje em Dia, no dia 06 de janeiro de 2020.