No Brasil, a violência chegou a tal ponto que as chuvas, longa e ansiosamente aguardadas, chegaram em “pancadas”. Os fatos de que se toma diário conhecimento demonstram que não estamos no melhor dos mundos, embora o outro – o de resto do planeta – não seja dos mais pacíficos.
Cito um exemplo: o Zoológico de Montes Claros será desativado definitivamente, depois de um jacaré-de-papo-amarelo ser encontrado morto. A PM informou que o bicho, com mais de 30 anos, fora morto com um “instrumento perfuro-cortante”, possivelmente um arpão. Não constituía fato isolado. Anteriormente, os humanos atacaram um macaco. Os animais remanescentes serão doados a outros zoos. Terão vida mais longa e proteção?
Em Brasília, por aquela época, um caminhão de Bombeiros foi interceptado por PM, pela madrugada, ao cruzar em alta velocidade em direção ao Congresso. Explicou-se: um sargento bombeiro, de 44 anos, furtou a viatura e saiu “louco em disparada na Esplanada”. Não tinha autorização para retirar o caminhão e queria explodi-lo contra o prédio do Parlamento. Tratava-se, talvez, de um surto psicótico, tão comum em atentados nos EUA.
Prepararam-se multidões para o Carnaval em 2018, no Brasil, em que se julga o período de alegria máxima do ano. Mas o acontecimento momesco me faz, em contraposição, evocar o sepultamento, em janeiro, do carroceiro João Faria, mestre do Segundo Termo de Catopês, de Nossa Senhora do Rosário, em Montes Claros. O som dos tambores e caixas cessou para que houvesse silêncio total. O sucessor, irmão mais velho, em voz rouca enquanto o corpo descia à derradeira morada, advertia: “não cabe a nós contrariar a vontade de Deus. Vai em paz, meu irmão”. Aí, a cantoria recomeçou repetindo um ritual de dois séculos. Ou mais, quem sabe? Depois que a matéria desceu ao solo, ainda molhado pela invernada de janeiro, em pleno verão, crédulos e incrédulos acompanhavam os boletins da meteorologia. Mais chuva? Seja o que Deus quiser.
Depois dos folguedos, acorreram-me da memória as declarações do papa emérito Bento 16, que fará 91 anos em abril: “no lento enfraquecimento de minha força física, interiormente estou em peregrinação para a Casa do Senhor”. Seu secretário pessoal observou que o pontífice, renunciante em fevereiro de 2013, estava “apagando como uma vela, lenta e serenamente”.
Neste mosaico de fatos e pensamentos, vejo-me, coagido a repetir com Juscelino, após 1964, humilhado e ofendido: “nenhuma ferrugem na alma nem na vontade. As declarações e os sofrimentos da revolução não conseguiram quebrar a fibra íntima. Sinto-me ainda capaz de grandes aventuras, tais como Brasília. Esta graça Deus conferiu-me. Se não me permite ver o mundo num halo de esperança, também não o fechou nas trevas da desilusão. Compreendo os homens. São seres que não atingiram ainda o status profetizado por Teilhard de Chardin – a igualdade com Deus. Estão numa escala que exigirá ainda milênios ou bilênios para chegarem ao aperfeiçoamento. Sei, portanto, perdoar as falhas. De vez em quando, uma ingratidão mais forte desequilibra a nossa crença. Com o tempo refazemos”.
Por Manoel Hygino dos Santos, 1° tesoureiro da Academia Mineira de Letras, ocupa a cadeira nº 23