1968-2019, meio século, tempo que registra e faz perdurar dois encontros inesquecíveis que me acompanham vida afora: Alceu Amoroso Lima, Tristão deAthayde, e Edgar de Godói da Mata Machado. Convergem – coloquemos os dois presentes em nosso tempo – na inteligência e na cultura humanística: Alceu no ensaio e na crítica literária, Edgar no pensamento jurídico e político; convergem na fé cristã católica vivida com a maior profundidade e coerência, sempre numa perspectiva ecumênica e dialogante. Procuravam com todo empenho e alegria seguir a vida, o exemplo e os ensinamentos de Jesus de Nazaré. A partir da fidelidade aos princípios e valores mais permanentes da tradição cristã, fizeram a opção preferencial pelos pobres, pela justiça social, pela liberdade, pela democracia, pelo personalismo-comunitário.

Alceu e Edgar partilharam o mesmo entusiasmo com a obra de Jaques Maritain que trouxe o tomismo ao século XV e nele introduziu, preservando a sua essência, os valores democráticos referentes aos direitos humanos, fundamentos basilares do Estado Democrático de Direito.

Além de Maritain, Alceu e Edgar encontraram inspirações comuns no Ensino Social da Igreja – que entusiasmo não teriam ambos com o testemunho e os textos do Papa Francisco? -na revista e Moviment Espirit vinculados ao talento e à generosidade de Emmanuel Mounier, na refletida militância do Pe. Lebret, nas reflexões de Teilhard de Chardin dialogando com a ciência moderna, especialmente as teorias evolucionistas, nas contemplações engajadas e comprometidas de Thomas Merton, no existencialismo cristão de Gabriel Marcel. Partilham juntos o mesmo respeito e
admiração pelo Mahatma Gandhi e Martin Luther King nas ações de não-violência ativa e de desobediência civil em face de leis injustas que queiram preservar o colonialismo, o racismo, as injustiças sociais.

No Brasil, Alceu e Edgar incentivaram as comunidades eclesiais de base, o retorno da Igreja aos pobres e excluídos, a Teologia da Libertação. Aplaudiram e apoiaram as ações proféticas de bispos como Hélder Câmara, Paulo Evaristo Arns, Pedro Casaldáliga, Antônio Fragoso, José Maria Pires, Luciano Mendes de Almeida.

Juntos estiveram na resistência à ditadura. Edgar pagou o preço maior: o mandato de deputado federal, os direitos políticos, as cátedras na UFMG e na PUC Minas, a vida do filho José Carlos, assassinado sob tortura nos porões da ditadura. Foi bem acolhido nesta Academia.

Tinham vocação de acadêmicos. Como professores universitários e integrantes, respectivamente, das academias Brasileira e Mineira de Letras. O espírito acadêmico que eles viveram pressupõe o gosto pelo diálogo, a convivência com os diferentes, o respeito à liberdade de pensamento e de expressão cultural e artística. Esse é hoje o grande papel das academias: não ceder às tentações do obscurantismo e do pensamento único. Buscar os espaços de diversidade e do pluralismo.

Alceu e Edgar fiéis aos seus/nossos valores e convicções sabiam respeitar o outro, os outros, os que pensam e vivem de forma diferente, na busca de espaços superiores de conhecimento, saber e convergências. É o que precisamos hoje no Brasil: ideias, pensamentos, existências que saibam na sua diversidade construir os espaços comuns da boa e fraterna convivência, da “grande prosa do mundo”.

 

Pronunciamento feito por Patrus Ananias na Academia Mineira de Letras, em nome do Conselho Fiscal da Academia, integrado também pelos acadêmicos Antenor Pimenta e Márcio Sampaio – junho de 2019, Belo Horizonte.