Durante a semana escutei os tambores e a marcação dos alunos: esquerda, direita, esquerda, direita… Esquerda, volver! Direita, volver! Treinam para a próxima parada de Sete de Setembro, provavelmente dentro da própria escola. De repente, alguém comanda: Alto! Um alívio para mim quando o último Alto! acontece, e os tambores se calam. Não aprecio manifestações que incutem patriotadas ou exaltem valores militares ou beligerantes. Tive minha cota para a vida inteira durante a ditadura implantada em 1964, e não gostei da experiência. Nem um pouco.
No entanto, escuto o grito de esquerda, direita, esquerda, direita… todos os dias do ano, às vezes travestido de algum eufemismo, um pavoneio de latifundiário, às vezes em mesóclises, às vezes em bandeiras vermelhas, berrando palavras de ordem, todos confiando na falta de senso crítico que inunda o Brasil. Ninguém quer que a consciência do cidadão amadureça. A direita sempre alega que cada um deve receber de acordo com a própria capacidade, que as esmolas governamentais como o Bolsa Família devem ser extintas, que a ingerência do Estado deve ser reduzida. A esquerda se julga sempre mais justa, honesta, com as melhores propostas, incontestáveis. É o deus ex-machina que baixa no cenário para resolver todos os problemas.
Esquerda e direita são termos oriundos da Revolução Francesa. Com quase 230 anos de idade. Em 1789, os representantes leais ao rei sentavam-se à sua direita, droite, os demais à esquerda, gauche. A Revolução Francesa acabou, a França não tem mais reis, assistimos à ascensão e queda da União Soviética, à ascensão e queda do Terceiro Reich, à ascensão e atual enfraquecimento dos Estados Unidos, à ascensão da China – contudo os termos esquerda e direita ainda nos seduzem, dividem e provocam paixão, viramos coxinhas e mortadelas.
Enquanto isso, os grandes problemas nacionais vão para o espaço. O desemprego campeia, a desigualdade sobe, os ricos ficam cada vez mais ricos, a disparidade da renda compromete o crescimento sustentável, o orçamento tem rombos cada vez maiores, a Previdência vai falir, a corrupção continua solta, rindo da Lava Jato, a infraestrutura apodrece, o Leviatã do Estado abocanha mais de 90% do que arrecada apenas para se autogerir, sem se preocupar em devolver qualquer investimento ao contribuinte, a insegurança persegue nossas cidades, o Brasil tem 10% dos homicídios de toda a Terra, a péssima educação pública compromete o futuro de nossas crianças, ainda não deixamos o estágio de exportador de commodities, nossa inovação tecnológica é pequena, cassaram o dinheiro da pesquisa, nossa burocracia é enorme. Estes são problemas de esquerda ou de direita – ou seriam de todos nós? Vamos nos aferrar a debates estéreis ou vamos trabalhar para devolver o emprego ao cidadão que teve de se mudar para debaixo do viaduto?
Esquerda, direita, esquerda, direita… Alto! Já perdemos tempo demais em discussões hilárias, tentando descobrir quantos anjos cabem na ponta do alfinete. O Brasil continua adormecido, ou nocauteado por nós mesmos. Enquanto isso, la nave va. O tempo passa, o mundo lá fora cresce, nossa marola vira tsunami, repetimos os enganos, boicotamos o desenvolvimento, o futuro não chega.
Por Luís Ângelo da Silva Giffoni, ocupante da cadeira nº 33 da Academia Mineira de Letras.