Na sessão especial dedicada aos 110 anos da Academia Mineira de Letras

13 de dezembro de 2019

 

Bom dia a todos.

Cumprimento o distinto público e os membros da Mesa diretora dos trabalhos.

É uma honra falar na casa do povo de Minas – o parlamento de meu estado – no prédio instalado por meu pai, Expedito de Faria Tavares, quando presidente dessa Assembleia Legislativa. Por ela, ele sempre manteve um respeito e um carinho imensos, durante todo o tempo em que aqui desempenhou seus mandatos. São esses os sentimentos que me movem nesse instante.

Saúdo, de modo especial, o deputado Doorgal Andrada, agradecendo a ele a iniciativa de propor a realização da presente sessão, decorrência natural do estreito e afetuoso relacionamento que sua família mantém para com a Academia Mineira de Letras, desde o princípio.

Uma das cenas primordiais da vida da instituição, pouco depois do ato fundador, de 25 de dezembro de 1909, se deu quando ela se instalou oficialmente, em 13 de maio de 1910, na sede do Teatro Municipal de Juiz de Fora. Lá estava, solidário e amigo, o então presidente da Câmara Municipal daquele município, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, que governaria Minas Gerais em momento crucial de sua história.

Hoje, passados tantos anos, figura entre os membros da Casa de Alphonsus de Guimaraens, para privilégio nosso, o jurista, professor e parlamentar Bonifácio Andrada, quinto ocupante da cadeira de número quinze, fundada por Dilermando Cruz tendo como patrono outro Guimarães, tio-avô de Alphonsus, o célebre romancista Bernardo Guimarães, autor de “O seminarista” e de “A escrava Isaura.”

Como se pode rapidamente perceber, pela menção dos nomes de apenas alguns de seus integrantes, a galeria de mulheres e homens que já passaram pela nossa Casa, em seus cento e dez anos, acabou constituindo um dos mais sólidos e raros patrimônios imateriais de que se tem notícia, na história do estado. Não se conhece outra entidade que disponha de capital simbólico tão elevado, de cuja trajetória participaram personalidades como Abgar Renault, Afonso Arinos, Ayres e Edgar da Mata Machado, Cyro dos Anjos, Emílio Moura, Alaíde e Henriqueta Lisboa, Juscelino Kubitscheck, Milton Campos, Paulo Pinheiro Chagas, Pedro Aleixo, Oscar Correa e Tancredo Neves.

Se menciono alguns de seus expoentes, ressalto, nesse instante, com imensa gratidão, os pioneiros da Academia Mineira de Letras, aqueles doze intelectuais que apostaram na criação dessa entidade que agora completa onze décadas. Eles são merecedores dos nossos aplausos mais entusiasmados. Eles não tiveram medo, eles não esmoreceram. Aos que vieram logo depois deles também dirijo o meu elogio. Com garra, e a despeito de todas as dificuldades, eles souberam manter a tocha acesa. Assim, foi possível vencer os desafios e seguir adiante.

Transferida para Belo Horizonte, em 1915, a Academia conquistou sua primeira sede própria durante a presidência de Heli Menegale, na década de quarenta, com a ajuda do prefeito da capital, Otacílio Negrão de Lima. Em 1987, chegou a vez da tão sonhada sede ao rés do chão, como dizia seu presidente perpétuo, o gigante Vivaldi Moreira, responsável principal pela importante vitória, viabilizada pela sensibilidade do governador Hélio Garcia. À sua instalação no Palacete Borges da Costa, seguiu-se a construção do prédio anexo, possibilitada pela intervenção decisiva do presidente Itamar Franco, em 1994. Projetado pelo arquiteto Gustavo Pena, é o espaço onde a Academia recebe o numeroso público que, toda semana, prestigia sua intensa programação.

Gratuita e aberta ao público, ela se guia pela estrita lealdade aos ideais de nossos fundadores: promover a literatura e a língua portuguesa, a educação, a história, a memória e as artes. Fiel aos valores da diversidade e do respeito pela riqueza cultural de Minas, procura abrigar, em seu calendário, atividades que abordem os mais variados aspectos da nossa realidade.

Em diálogo permanente com a contemporaneidade, a Academia tem acolhido, cada vez mais, o que surpreende, o que fascina e o que intriga os leitores brasileiros e, em especial, os leitores mineiros. Tudo o que é literário nos interessa: a literatura afro-descendente, a literatura indígena, a literatura de cordel, a literatura marginal, a literatura infanto-juvenil, a literatura fantástica, a literatura mística, a literatura erótica, a literatura queer. Sem preconceito. Sem discriminação. O fenômeno literário precisa ser percebido e estudado em toda a sua complexidade. Afinal, arte rima com liberdade. E liberdade plena. Por isso, o mesmo olhar dedicado ao cânone e à tradição deve voltar-se, generoso e compassivo, para a expressão das novas e das novíssimas gerações, para as vozes e para os textos que emanam das periferias, das zonas rurais, das prisões e das favelas. Extremamente saudável, fundamental para o avanço da cidadania, tal polifonia deve ser incentivada de todas as formas.

Assim como devem merecer os melhores incentivos todas as medidas em favor da ampla difusão do livro, que mobiliza extensa cadeia produtiva no país. Rendo, nesse momento, as justas homenagens aos autores, aos ilustradores, aos editores, aos livreiros, aos agentes e aos críticos literários, aos jornalistas culturais. Não existe desenvolvimento econômico e social sem uma população educada. E não há educação possível sem o suporte fundamental da leitura, hábito que deveria formar-se desde cedo, ainda durante a infância. A Academia é portadora – não há dúvida – de uma crucial dimensão educadora, que ela busca realizar não só por meio de seus eventos mas também pelo trabalho de democratização do acesso ao seu precioso acervo.

Composto por dez coleções, entre as quais as de Nelson de Senna, Eduardo Frieiro, Vivaldi e Edison Moreira, ele não contém apenas livros. Também reúne cartas, documentos, manuscritos, fotografias e, de uns tempos para cá, um belo material em áudio e em vídeo. Agora, tudo isso está sendo devidamente inventariado e catalogado, para facilitar a consulta dos estudantes, dos professores, dos pesquisadores, dos especialistas e dos apaixonados pelas Letras. Se a Academia guarda e preserva a memória de Minas, ela também quer partilhá-la, para que um número cada vez maior de pessoas possa se beneficiar dos tesouros de que é portadora.

Outro ponto de atuação da Academia Mineira de Letras é a sua revista, cujo primeiro número saiu em 1922, sob a presidência de Mário de Lima, irmão de nosso presidente de honra, Augusto de Lima. Consagrada como importante veículo de difusão cultural, ela terá, em breve, a sua coleção completa inteiramente digitalizada e posta na rede mundial de computadores, lugar em que a Academia marca viva presença. Com site próprio, visitado diariamente por dezenas de internautas, ela também está no facebook, no instagram e no you tube. Afinal, a Academia Mineira de Letras não é apenas produtora do conhecimento, ela quer ser, sobretudo, a sua vigorosa disseminadora.

Cultora da palavra, a nossa Casa é, finalmente, uma confraria, um espaço de sociabilidade, de convivência suave, elegante e fraterna. Em torno de sua hospitaleira mesa de chá se agrupam, respeitosa e agradavelmente, mulheres e homens das mais diversas origens, crenças espirituais ou formações ideológicas. O que nos irmana é o amor pelo saber. Mais ainda: o amor pelo aprender e pelo escutar o que o outro tem a dizer, mesmo que não concordemos com nenhuma das frases que pronunciar. Assim, com tranquilidade e ternura, mas com a crença inabalável em nossos valores fundamentais, permaneceremos.

 

Que venham as próximas onze décadas…

 

Muito obrigado!

 

Por Rogério Faria Tavares, presidente da AML, ocupante da cadeira 8.