​Dizem que nós, os escritores, deliramos mais que os psicanalistas. Tomara que seja verdade. A ficção, às vezes, se confunde com a realidade, quando não a precede, e temos sérias dificuldades para separar uma coisa da outra. Como o ser humano não vive sem fantasia, seguimos em frente, felizes da vida, um pé no chão, outro no sonho.

Mas escritores e psicanalistas não estamos sozinhos. O desvario de outros profissionais talvez ultrapasse o nosso. Por exemplo, o dos cientistas. Eles subjetivamente se outorgaram o título de objetivos. Existe alucinação maior? Assim diplomados, falam asneiras com ar doutoral, como se jamais incorressem em erro. Subjetivamente absolutos. Cientistas imaginam possibilidades e hipóteses, vendem-nas como fatos, e a mídia e as pessoas as compram como verdade. Vivem, muitas vezes, num mercado de sonho. Mais acima, talvez, no mundo das nuvens.

Um dos campos mais delirantes da ciência é a cosmologia, a especialidade que estuda a origem e a evolução do Universo. De tanto alarde, até parece que Big Bang, buracos brancos, universos paralelos, supercordas, dimensões múltiplas, flutuações quânticas são fatos, e não meras hipóteses de trabalho, transitórias. Até parece que o superstar Stephen Hawking nunca fala bobagem. Fala, sim, muita. Tem até a coragem de desdizer-se. Virtude rara.

Mesmo os dois pilares centrais da física atual, a relatividade de Einstein e a mecânica quântica, mostram-se incompatíveis em certos pontos: um ou outro pode estar errado. E então?

Na verdade, todos os seres humanos, de uma ou outra forma, deliramos. Cientistas, psicanalistas, escritores, todos nós vivemos em desvario. Ainda bem. O delírio, o erro, a hipótese, o romance, a poesia, o divã, a religião, a ciência, a filosofia são formas de compreender o mundo, essa elusiva e ilusória impressão de que existe uma verdade no fim do arco-íris, onde capturaremos o pote de ouro com as mãos ou o cérebro. Quanto mais sabemos, mais parecemos ignorar. O delírio mitiga essa falta, mascara nossa crônica ignorância, garimpa o sonho nosso de cada dia. Ele é nossa humanidade com 100% de pureza.

 

Por Luís Ângelo da Silva Giffoni, ocupante da cadeira nº 33  da Academia Mineira de Letras.