Observando o filho fazer o para-casa, Terezinha pensa, divertida: “Esse menino é fogo na roupa”. Ele ia lendo as perguntas em voz alta, imediatamente cantava a resposta, logo passada para o papel.
O que aconteceu com os Inconfidentes? Morreram todos. Enquanto escrevia, ia falando: “A professora não vai poder achar ruim. Depois de tanto tempo, aposto que não tem mais ninguém vivo”. Ainda bem que a mãe, vigilante, logo faz o filho esperto corrigir a resposta.
Outra vez, foi com o Clóvis:
– Pai, me dá dinheiro pra comprar uma borracha?
– Pede à sua mãe, Clovinho.
– Mas não é uma borracha comum não.
– O que ela tem de especial?
– É toda colorida, forma o mapa do Brasil.
– O que mais?
– Cada estado é separado, no fim forma um quebra-cabeça.
– E pra que você precisa de uma borracha dessas?
– É legal demais, pai. Um monte de gente tem, eu também queria.
– Mas a divisão do Brasil vai mudar, a Constituinte pode criar novos estados.
– Quais?
– Tocantins, em Goiás, o Triângulo quer separar de Minas, a borracha fica desatualizada.
– Aí, depois que a gente souber como é que fica, pode cortar no lugar certo, dividir os estados na borracha.
– Bobagem, Clovinho. Acho que é jogar dinheiro fora.
– Ah, pai, mas tá na promoção: uma borracha e o corpo humano junto por uma mixaria…
– O corpo humano também?
– É super legal. Separa tudo, a gente pode estudar por fora e por dentro. Os membros, a cabeça, o coração, fígado, estômago. É o maior barato, cê precisa ver.
O pai titubeia, mas não dá o braço a torcer:
– Vamos fazer uma coisa, meu filho, vamos pensar melhor, depois a gente resolve com calma.
Olha a cara de decepção do filho, quase cede. Mas resolve ganhar tempo:
– Sei não, acho meio desperdiçado, podia gastar esse dinheiro com uma coisa mais útil.
– Ah, pai, faz favor.
– Depois a gente conversa. Preciso tomar banho e sair, senão atraso.
Abre o chuveiro, respira fundo, mas o alívio dura pouco. Do outro lado da porta, Clovinho pergunta:
– Pai, a Constituinte vai mudar o corpo humano também?
Por Olavo Celso Romano, ex-presidente da Academia Mineira de Letras, ocupa a cadeira nº 37