Fazia uns vinte anos que eu não entrava naquela barbearia. Nada mudara. A mesma fachada de chapisco marrom, a mesma porta de enrolar, as mesmas três cadeiras com forro de plástico vermelho, o espelho de fora a fora na parede. Até um dos barbeiros continuava o mesmo, com seu ar de quem trabalha pela alegria de um bom papo. Mantinha o velho tique de bater as lâminas da tesoura no ar, depois de cada tosada. Uma no cabelo, três no ar. O tempo parara por ali.
Sentei-me na cadeira do meio. À esquerda, o cliente falava do excesso de peso da humanidade sobre a superfície terrestre, temia o desabamento da crosta, jogando-nos todos no inferno do magma. Só um regime de fome evitará a implosão. À direita, a digressão focava a corrupção e a violência. O rapaz que me atendia abordou as águas volumosas deste março.
De repente, uma senhora com vassoura à mão surge na entrada, finge varrer o passeio, de olho no interior da barbearia. Não resiste, para o serviço e comenta bem alto: “O casamento do quinto andar acabou hoje. O rapaz foi embora com duas malas. Mas também com aquela mulher que ele tinha…” As frases incendeiam o ambiente, as separações se tornam o assunto nas cadeiras a meu lado. Ora a culpa era dos homens, ora das companheiras. Seguem-se quinze minutos de vadiagem verbal.
Com o cabelo cortado, passei na loja de material elétrico, em busca de fita isolante. O dono saiu de seu canto para me receber, de braços abertos, perguntou sobre meus filhos, esticou o assunto para a carestia, emendou com sugestões para minhas crônicas. Ao me despedir, tentou me segurar: “Estou lendo e gostando muito de um livro seu…”. Qual?, perguntei. Ele se esquecera. Bem, nenhum livro é perfeito.
Sigo rua acima. Num prédio, meninos jogam bola no campinho improvisado entre carros estacionados. Discutem se foi ou não gol. A decisão vai para os pênaltis. A verdade triunfará, segundo eles. Acreditam que quem estiver certo mandará a bola para o fundo das redes imaginárias atrás de duas camisetas.
Continuo até a feira-livre do bairro, marco de confiabilidade. Toda sexta ela está no mesmo lugar. O mundo pode entrar em guerra, ameaças atômicas podem pairar sobre o fim de semana, mas a feirinha acontece. Senhoras escolhem cada tomate, cada laranja, cada abobrinha antes de entregá-la ao vendedor para pesar. Dispõem de todas as horas para as compras. Nunca se furtam a comentários com o dono da banca, e receitas são a moeda de troca para esticar a manhã.
Penso que nossas cidades poderiam ser sempre assim, os habitantes entregues à arte de viver e deixar viver. Imagino quantos lugares ainda conseguem a magia de transformar minutos em horas, graças à capacidade de curtir cada segundo, sem pressa, sem se submeter a demandas artificiais, a consumos que nada acrescentam. Sei que sonho. Mas os sonhos são a matéria-prima de que somos feitos.
Por Luís Ângelo da Silva Giffoni, ocupante da cadeira nº 33 da Academia Mineira de Letras.