Escalei a Pirâmide da Lua, na cidade sagrada de Teotihuacán, até o topo, lá onde milhares de pessoas tiveram o coração arrancado num único dia para aplacar a sede de Huitzilopochtli, o deus que apreciava sangue. Bebia sangue para devolver vida. Sem obrigação de cumprir qualquer promessa. Olhei ao redor, até o horizonte. Vi apenas as ruínas sagradas. Por toda a parte, enxerguei serpentes e jaguares com dentes descomunais. O aspecto dantesco devia provocar arrepios. Padeceriam os pré-colombianos de constante terror? Quantos, libertos das crendices e dos mitos, conseguiram ver pedra onde havia apenas pedra, escultura onde havia apenas escultura, sangue onde havia apenas sangue? Quantos se insurgiram contra as imolações em massa? Quantos, tocados pela religiosidade, tiveram as preces atendidas e, agradecidos, ofereceram filhos em pagamento pelas dádivas recebidas? Quantos simplesmente se deixaram levar pelos costumes, sem qualquer consideração crítica?
Acompanhei o pôr do sol sobre Teotihuacán. Os pardais apresentavam um réquiem para os tombados em consequência da seca, da guerra, dos sacrifícios e da conquista europeia, concerto triste como o de mariachis que, paramentados a caráter com seus fardões e sombreros bordados em fios de ouro e prata, se debruçam sobre a morte e o passado, enquanto os dois trompetes do conjunto calam o coração da gente com o toque de silêncio. Pardais e mariachis ferem o coração, sem arrancá-lo. Um alívio.
Na tardinha, as pirâmides, quais colossais iguanas com escamas ferruginosas no dorso, ganharam um banho dourado. A brisa fria me obrigou a esfregar os braços e a apressar a descida. A lua de sangue no leste, indiferente a minhas divagações, remeteu-me a Pedro Páramo, a obra de Juan Rulfo que talvez melhor reflita o México: “A lua era igual à de agora, mas não tão vermelha. Era esta mesma pobre luz sem lume… Era o mesmo momento… Você ia se distanciando, cada vez mais descolorida entre as sombras da terra”.
Assim, entre as sombras da terra se foram os toltecas, olmecas, astecas e tantos outros. Ficaram as ruínas e a imaginação para reerguer seu esplendor e os rios de sangue de suas vítimas sacrificiais. Junto ficaram os versos do Chilam Balam, o livro sagrado dos maias:
“Toda luna, todo año
todo día, todo viento
camina y pasa también;
también toda sangre llega al lugar de su quietud”.
Pois era isso. A tarde era quietude. A quietude do sangue que escorreu pelas escadas até alimentar a terra que não devolveu vida. Como a lua, o ano, o dia, o vento, tudo passou. Inclusive este momento.