Embora não seja afirmativa singular, a consulta à Mineiriana, com perdão do pleonasmo, constitui-se em prazeroso exercício de bibliofilia. Mas, o que dizer, em breves palavras, sobre a cinquentenária coleção?
Assinalo, desde logo, que ela se nos apresenta como um conjunto de variada tipologia nos suportes e na natureza das publicações. Nos quase 20.000 títulos de díspares assuntos que atualmente a compõem, para além dos predominantes livros, há periódicos, mapas, discos, fitas VHS, CD-ROM, DVD. As quatro últimas espécies correspondendo a um dos fundamentos da Coleção, o de cultivar a memória audiovisual de Minas.
Demais, afirme-se que a trajetória e o relevo da Coleção Mineiriana, felizmente, têm sido objeto de estudos, como se constata em duas publicações alusivas a efemérides: uma respeitante à instituição que a abriga, outra, e a ela própria.[1] Escritos fundamentados e da lavra de quem melhor pode a eles se dedicar. O bom senso indicou-me, assim, que o depoimento de mero consulente deveria cingir-se a um aspecto particular, contemplando temática com a qual, no interior da Mineiriana, procuro ter maior familiaridade. Daí os apoucados apontamentos que se seguem relativamente à sua seção de História.
Na Mineiriana, encontramos publicações que se impõem como fontes históricas de escol, verbi gratia o raro volume 2 da primeira edição da Historia do movimento politico que no anno de 1842 teve lugar na Provincia de Minas Geraes, escripta pelo Conego José Antonio Marinho; ou o copioso relatório elaborado pelo conselheiro Joaquim Saldanha Marinho ao cessar, em 1867, suas funções na presidência da Província; as Minas Geraes no XXº século, de Rodolpho Jacob (1911), ou, ainda, a primeira edição das incontornáveis História Antiga das Minas Geraes (1904) e História Média de Minas Geraes (1918), de Diogo de Vasconcellos.
Menções qualitativas do diversificado acervo de obras históricas poderiam ser o objeto dessas linhas. Sobejariam boas alusões! A opção dos encômios aqui devidos encaminha-se, porém, para uma faceta peculiar que caracterizou os momentos embrionários do festejado conjunto de publicações e que afortunadamente se mantém.
Antes de apontá-la e porque a ela se associa, faça-se referência ao espaço físico ocupado pela Coleção. Vale dizer: de há muito, as instalações que acolhem a Mineiriana têm como patrono Eduardo Frieiro, personagem essencial no advento da Biblioteca, seu primeiro diretor durante quase uma década, e, anos mais tarde, chamado a integrar o grupo de intelectuais delineadores da Coleção.
Nessa qualidade, o autor de Feijão, angu e couve vincou expressiva vertente orientadora da formação do acervo da Mineiriana: a da garimpagem e especial valorização de publicações sobre assuntos mineiros escritas e editadas em circuitos não metropolitanos. Nas palavras de Aires da Mata Machado Filho, que integrou a comissão criadora da Coleção, avultava em Frieiro confessada paixão pelas “brochuras impressas no interior do Estado, em pobreza tipográfica ingênua e limpa”.[2] Ou seja: o seu enternecimento para com “as brochurinhas de ignoradas tipografias”. Explicitação, desde sempre, da alma de um orgulhoso tipógrafo!
Cinco anos depois, Laís Corrêa de Araújo, guardiã e emuladora da Coleção, ratificava a postura inaugural. Disse: “quantas histórias regionais, estudos de costumes e da vida social mineira, biografias e memórias significativas, andam por aí, dispersas e desconhecidas, apesar da contribuição que certamente oferecem ao conjunto ‘mineirice / mineiridade’? Quantos livros obscuramente publicados em cidades do interior podem nos informar muito sobre as instituições de nossas vilas e cidades, seus homens, suas ações e seu folclore ou sua arte? (…) Não vive a ‘Coleção Mineiriana’ apenas do passado glorioso, mas se pretende também dinâmica e atuante no hoje”.[3]
Dessa forma, parte avultada da Mineiriana é formada por histórias dos municípios mineiros, não apenas daqueles surgidos em tempos pretéritos, mas igualmente os que se constituíram em anos mais próximos, de que é exemplo Ipatinga. Mais uma lição recebida: não se alcançam as sínteses sem se dispor das monografias. A compreensão da história universal se inicia com o entendimento da história local.
Assim, afrontando as diuturnas adversidades e a criminosa incúria com que o poder público trata os assuntos da Cultura, pela abnegação dos funcionários que a ela se dedicam, pela generosidade dos doadores, a Coleção Mineiriana da Biblioteca Pública Estadual sobrevive. Mais do que isso, prospera. Bem haja!
[1] CESARINO, Maria Augusta da Nóbrega (org.). Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa: 50 anos de cultura. Belo Horizonte: Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais / Superintendência de Bibliotecas Públicas, 2006. 112 p.; PIACESI, Áurea Eloísa; ARAÚJO, Diná Marques Pereira de (orgs.). Suplemento Literário [de Minas Gerais]: Coleção Mineiriana. Belo Horizonte, dez. 2009. 38 p. (Edição Especial – 40 anos da Coleção Mineiriana).
[2] MATA MACHADO FILHO, Aires. Perspectivas da Mineiriana. Boletim da Biblioteca Pública Luiz de Bessa. 1970. Republicado em: PIACESI, Áurea Eloísa; ARAÚJO, Diná Marques Pereira de (orgs.). Suplemento Literário [de Minas Gerais]: Coleção Mineiriana. Belo Horizonte, dez. 2009. 38 p. (Edição Especial – 40 anos da Coleção Mineiriana). p. 20-21.
[3] ARAÚJO, Laís Correa de. Mineirice – Mineiridade – Mineiriana. Suplemento Literário [de Minas Gerais]. Belo Horizonte (MG), nº 405, p. 5, 1 jun. 1974. Republicado em: PIACESI, Áurea Eloísa; ARAÚJO, Diná Marques Pereira de (orgs.). Suplemento Literário [de Minas Gerais]: Coleção Mineiriana. Belo Horizonte, dez. 2009. 38 p. (Edição Especial – 40 anos da Coleção Mineiriana). p. 22-25.
Por Caio Boschi, vice-presidente da AML, cadeira n° 30,
publicado originalmente no Suplemento Literário de Minas Gerais, Belo Horizonte, nº 1385, p. 4-6, jul.-ago. 2019