Eram seis da manhã quando entrei na fila. Esperei dez minutos, e o portão foi aberto. Não me continha de expectativa. Estava a poucos metros do Taj Mahal, em Agra, na Índia. Já o tinha visto de longe, na véspera, do outro lado do rio Jumna, e sua beleza me impressionara.
Levei um soco na mente. Soco desferido pela criatividade alheia. O Taj Mahal é a mais harmoniosa das construções, a mais tocante, fusão da arte e da ciência. Transformou a matemática em poesia e, ao mesmo tempo, concebeu um poema com a matemática: desafia a gravidade e parece levitar. Levitação estética. Levitação mental. Emociona. Diz o indizível.
Originalmente projetado para ser uma tumba, lega um exemplo de amor à beleza, à exploração das proporções, à simetria, ao apuro das formas, ao conhecimento da astronomia e da geologia, às possibilidades extremas da resistência dos materiais. É uma obra feminina, encimada por um enorme útero, porém cercada por elementos masculinos, fálicos. Sim, o Taj, também no sexo, é uma fusão.
O conjunto de torres, caminhos de acesso, mesquita, jardins, muralha, banhos e o ponto alto, a tumba, constitui uma das maravilhas do mundo. Quatro proeminentes minaretes ligeiramente inclinados para fora conduzem a atenção do visitante, em queda livre, dos pináculos para as janelas da entrada. As linhas horizontais do frontispício convergem para o pórtico central, cuja ogiva nos devolve à enorme cúpula que, lá no alto, mergulha no espaço. Looping visual, acrobacia para os neurônios.
O olhar, à esquerda e à direita do edifício, percorre trajetórias suaves, ora descendentes, ora ascendentes, até diluir-se no infinito. Vagueia entre curvas e retas, atraído pelo entrosamento entre a arquitetura e os adornos. O mausoléu, situado na confluência de jardins com fontes e passeios em mármore, reflete-se de corpo inteiro nos lagos que representam os quatro rios do Éden, e tudo parece flutuar em dobro, na atmosfera e na água. Nessa concepção paradisíaca, com a morada dos eleitos ao fundo, percebe-se a transcendência de que falam os místicos. A terra toca o céu.
O mármore torna-se dourado ao amanhecer, branco ao meio-dia, rosado após o pôr do Sol, perolado com a lua cheia. Acompanhei, durante horas, num banco à cabeceira dos espelhos d’água, as mudanças de tonalidade. O mesmo se transformou em vário. O Taj combina diversos prédios num só, de acordo com a incidência da luz.
Pedras semipreciosas, como o jade e a safira, cortadas com precisão e paciência em até sessenta pedacinhos milimétricos, transmutam-se em flores na entrada e no interior do edifício. Não se notam as juntas, tão exatos são os encaixes. Inscrições em árabe, extraídas do Corão, dissolvem-se no pórtico qual trepadeira multicor incrustada no mármore. Para que pareçam uniformes, as letras aumentam de tamanho à medida que ficam mais altas. A perspectiva calculada constitui espetáculo à parte, outra faceta do casamento entre a arte e a ciência.
O Taj Mahal foi construído por um apaixonado Shah Jahan, imperador mogol entre 1632 e 1638, para alojar o corpo de sua mulher, Mumtaz Mahal, morta durante o parto. Na prova de amor de um homem por uma mulher, herdamos em pedra o arrojo de uma época e de uma cultura.
Shah Jahan morreu em 1666, ano em que Newton formulou as leis da gravitação universal que o Taj parece desafiar. A arte e a ciência não são incompatíveis. São apenas duas manifestações da mesma estrutura: o cérebro humano. Quando se fundem, o resultado é puro deleite. Deleite que se traduz em emoção. Emoção que perdura.