Um dia após o Corpus Christi, chegou a comunicação de que falecera Ricardo Arnaldo Malheiros Fiúza, querida personalidade dos meios intelectuais mineiros.  Professor universitário de Teoria do Estado e de Direito Constitucional, membro da Academia Mineira de Letras e do IHGMG, além de uma série de entidades que daria para preencher laudas. Faltaria lembrar, dentre outras, ter sido editor-adjunto da Del Rey, integrante da Academia Mineira de Direito Militar,  da Academia de Letras Jurídicas e, ainda, do Grêmio Literário de Lisboa.

Residiu na capital portuguesa, onde a esposa fez curso de História e Arte na Fundação Gulbenkian. Lá, ele foi oficial da Ordem do Infante Dom Henrique, condecoração especial da República Portuguesa e membro do Grêmio Literário de Lisboa, tradicional agremiação cultural fundada pela rainha Dona Maria II. Em 3 de novembro do ano passado, foi considerado cidadão português de origem – jus sanguineo, “sem deixar, é claro, de ser brasileiro em esperança”, como me disse.

Nascido em Belo Horizonte em 1937, honrava-se em ser também cidadão honorário de Dores do Indaiá, Boa Esperança, Pitangui e Ouro Preto, mas fazia questão de afirmar-se dorense. E confessou no seu livro “Dores de Indaiá, minha terra”, bela edição e que, se não me engano, foi seu último trabalho, publicado em vida. Justificava-se: “Minha terra? Por quê? Nasci em 1937, porém, pelo Direito Civil e pelo Direito Canônico, considero-me dorense, eis que fui concebido nessa singular terra do Oeste mineiro, numa bela noite do mês de maio de 1936. Aí fui registrado e inicialmente criado”.

Explicava seu amor pela cidade e pela gente de lá: dorense é e sempre foi amante da natureza, da política e, sobretudo, da boa prosa. As serenatas das noites dorenses abalaram muitos corações femininos e, hoje, as músicas trepidantes de seus conjuntos abalam o corpo inteiro das moças moderninhas da cidade…Todos os dorenses são poetas: o folclore da cidade é repleto de quadrinhas cheias de beleza pura e ingênua”. “Em seguida, relaciona uma série das atrações locais que se tornam um chamariz para os turistas que querem conhecer a autenticidade de Minas.

Em tempos idos e vividos, jamais  esquecidos, a viagem era pela Maria Fumaça. Depois de atravessar o rio São Francisco, ao cair da tarde, em meio à passagem bonita e agreste do cerrado, a locomotiva reunia todas as suas forças para levar os carros de passageiros e vagões de carga, para chegar, por volta das oito da noite, à querida cidade, onde os lençóis limpos e cheirosos esperavam. Muita e inesquecível saudade.

A esta altura, o confrade da Academia não deixa de evocar Guimarães Rosa, um desbravador que, a partir de Cordisburgo, descobre um pedaço do Brasil: “Minas – a gente olha, se lembra, sente, pensa. Minas – a gente não sabe. Sei, um pouco, sua fácies, a natureza física – muro, montes e ultramontes, vales escorregadios, os andantes belos rios, as linhas de cumeeiras, aeroplanície ou cimos profundamente altos, azuis que estão nos sonhos- a teoria dessa paisagem… Saberei que é muito Brasil, e ponto de dentro, Brasil conteúdo, a raiz do assunto. Soubesse-a mais”.

De uma pessoa que conhecera e tanto apreciara, escreveu Arnaldo Fiúza: “A notícia de sua morte deixa a mim, tenho certeza, triste com a sensação irreversível de um desfalque penoso em nossa legião terrena”. Podemos agora dizer do falecimento do belo-horizontino de Dores de Indaiá: Irá fazer muita falta para aqui também.

José Renato de Castro César, do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais,  comentou: “Faleceu Ricardo Fiúza. Um gigante! Poeta, historiador, jurisconsulto.Um dos homens mais honrados que tivemos em Minas Gerais! Quem sou eu para declamar em sua honra? Apenas posso dizer da simplicidade com que me recebeu, E do carinho e do afeto que me dispensou quando eu sonhei ser eu… Como ele era… Tão sábio… Tão humilde, simples e intelectual. Calmo e sincero, escolhia palavras, media pensamentos e aconselhava…Hoje, já está no Céu… Obrigado Deus por este homem tão bom. Que possamos seguir seus passos bem calma e lentamente!”

 

Por Manoel Hygino dos Santos, Conselheiro Editorial da Revista da AML, ocupa a cadeira nº 23