Alguns autores sentem-se inibidos diante de uma folha de papel em branco. Torna-se difícil o começo de um trabalho que abrange assunto de especial conceito. Por mais que se tente alcançar um estágio preparatório para o lançamento da idéia, por vezes, faltam palavras que expressem a realidade do pensamento primeiro. Amós Oz, escritor israelense, faz o estudo de pelo menos 10 inícios de clássicos da literatura universal, em seu livro, intitulado, E a história começa. André di Bernardi Batista Mendes envereda pelos caminhos do livro (em artigo no caderno Pensar, do “Estado de Minas”), e cita: “as dores e os dilemas destes grandes nomes da literatura e tenta desvendar formas e métodos pelos quais os diferentes autores iniciaram algumas de suas obras”. Depois de asseverar que “todo começo é perigoso e delicado”, Amós Oz acrescenta que “uma página em branco é como uma parede caiada sem porta ou janela”. Os intelectuais, cultores de idéias, são pessoas dedicadas à arte das palavras, que rompem o silêncio das páginas brancas, abrindo-lhes portas e janelas para suas criações literárias.
Esta introdução serve para comprovar as dificuldades pelas quais passam aqueles que pretendem dedicar-se ao mister que enreda a arte da escrituração literária.
Nossa proposta hoje é cuidar de um ponto específico neste arrazoado: a criação de uma academia e a essência de sua atividade intelectual. De onde surgiu a idéia e por que se pensou em concretizá-la, apesar dos entraves e das possíveis dificuldades que estariam presentes nos primeiros atos.
A célula; o núcleo que deu início à formação da Academia Feminina Mineira de Letras marcou-se por um ato de fé. Acreditou-se com entusiasmo na predisposição; firmou-se o propósito de pessoas abnegadas, na pureza da inspiração para um centro catalisador do espaço intelectual feminino em Minas Gerais. As doze escritoras e poetas mais a idealizadora, Natércia Silva Villefort Costa, com ânimo redobrado pela aceitação de críticos e apoiadores da idéia, que a louvaram, fizeram com que a semente germinasse e viesse a alcançar o ideal de vida. Vida cultural, benfazeja, reflexo nascente de auspiciosa criação. Arregimentaram forças, redobraram-se os ânimos, no acatamento da idéia. Com inspiração na Academia Francesa, foram preenchidas as quarenta cadeiras de seu quadro efetivo, e igualmente, escolheram-se as respectivas patronas.
Nomes avultaram na direção da Casa: Lívia Paulini, companheira na criação e sucessora primeira, empenhou-se com muito entusiasmo, na obra acadêmica, e graças a ela, os primeiros passos se firmaram para conduzi-la ao patamar no qual hoje se encontra: Cely Vilhena Falabella, que sucedeu a Carmen Schneider Guimarães,vinda após Lívia Paulini. Seguiram-se Elizabeth Rennó, Antônia Rodrigues Sá, Maria da Conceição Eloi, e Maria Laura Pereira Couy, na substituição temporária daquela última, Maria Conceição Parreira Abritta, Maria Inês Marreco, Helene Maria Paulinyi e agora, Maria Elisa Chaves Machado, todas com nobres realizações.
Era justamente do que precisavam as mulheres intelectuais na terra das alterosas. Fazia-se tarde para o começo. Em outros estados, havia décadas, já se colhiam frutos de semelhantes empreitadas culturais. Nomes surgiam na imprensa, sendo convidados a prestar sua aquiescência ao projeto. Alguns autores simpatizavam com a idéia de mulheres envolverem-se com os quefazeres das letras – indo além do pretendido exclusivo “habitat” doméstico – e exaltavam e exaltam suas atividades. Vivaldi Moreira, o saudoso Presidente vitalício da Academia Mineira de Letras, enxergou com bons olhos a faina literária daquelas pessoas destemidas. Levou-as para o apadrinhamento, acolhendo-as em singular parceria, conforme ele próprio por diversas vezes assim se pronunciara. Foi um começo auspicioso para uma entidade vibrante de entusiasmo.
A esperança é o ideal de realização. A História e até a Mitologia cobrem-se de exemplos magníficos de mulheres otimistas e persistentes. Muitas Penélopes situam-se, não apenas à espera de seu Ulisses, mas conscientes e convictas de que na esperança reside, muitas vezes, a vitória do porvir.
Gostaria de possuir hoje o dom, simplesmente o dom da palavra ajustada, que expressasse o sentir feliz deste primeiro encontro contando com a venturosa presença do grande intelectual Dr. Rogério V.FariaTavares. É grande e nobre, estejamos certas, caras confreiras, o celebrar a chegada de mais um baluarte obreiro de apoio a este digno sodalício, Casa de Santa Clara.
Minas Gerais haverá de marcar-se, na História, por gestos heróicos e gloriosos de seus filhos. A inteligência da gente montanhesa, guardada entre ricos celeiros, paredões de minério, veios de ouro puro, e beijada pelos caudais fertilizadores da hidrografia nacional, não configura só esta Minas Gerais. No dizer criativo de Guimarães Rosa, Minas é muitas. E uma delas é a das mulheres batalhadoras. Essas criaturas, semelhantes aos parceiros pela criação divina, surgiam em praças públicas com suas vozes de protesto e seu grito de vitória. Pretendiam mais: procuravam as páginas brancas dos livros e dos jornais para seus escritos, e iam além: requeriam a tribuna livre da cultura para seus arrazoados e suas considerações.
É de fácil constatação que a Academia Feminina Mineira de Letras começou a formar-se não para agrupar elementos que pretendessem encontros de diversão ou de entretenimento.
O espírito da criação acadêmica baseia-se no princípio do conhecimento, do estudo filosófico, do aprimoramento intelectual de seus membros. Temos a nobre missão do cultivo das letras e da preservação do vernáculo. Se o elemento humano, já o disseram, despreza o que lhe é mais próximo de Deus – o dom criador – haverá temor para o futuro.
Criar uma academia de letras nos moldes tradicionais não é o mesmo que fundar um clube recreativo, um grêmio estudantil. A intenção primeira será a semeadura. A colheita virá com a produção, que surgirá espontaneamente, nas atividades desenvolvidas pelos seus membros. O valor de uma academia forma-se e torna-se real com a arte produtora, e sabe-se que ela se completará com a sua longevidade. O mestre Vivaldi Moreira, sempre lembrado, atestava: “Não é hoje e nem será agora que o valor da AFEMIL há de ser considerado. Dêem-lhe tempo, e o descobrirão”.
As mulheres que integram os quadros desta academia não se limitam a exibir seus diplomas como troféus e a dependurá-los nas paredes para contemplação ou simples valorização de seus currículos de vida. Lutam por justificá-los a cada dia, com iniciativas culturais: criações literárias, edição de livros de poesia e prosa, historiografia e crítica; freqüentam seminários, quando não os promovem; participam de congressos, e acima de tudo, estudam. Já vai longe o tempo em que o homem simples e comum lavrava a terra, labutava do nascer ao pôr-do-sol, enquanto as mulheres, igualmente simples e ignorantes, cuidavam da faina doméstica. A obrigação maior era endereçada apenas a um grupo de cidadãos que usavam o intelecto e pensavam por todos. Com o tempo renascido, também homens e mulheres se igualam hoje nas tarefas do pensamento. E vemos filósofos e professores determinados a mudar sempre a condução do raciocínio humano. Cita-se Hegel – que asseverava até mesmo a respeito de política, quando pregava que “a Constituição de cada povo depende da natureza e cultura da consciência desse povo” (referido pelo Assessor Judiciário do TJMG, professor, Adriano da Silva Ribeiro). O filósofo de Stuttgart aconselhava a que se conhecesse o Deus que em nós habita, mas que o explicássemos e o aceitássemos pelo movimento próprio de criação de todas as coisas. Enquanto Aristóteles endereçava-se para os caminhos da sensibilidade, Hegel encontrava as veredas do espírito, e nelas, o Espírito criador.
A arte literária requer dos intelectuais dedicação permanente, e ousadia. A atenção com os métodos de composição, redação e a boa leitura persistente deve juntar-se aos demais cuidados de escrituração.
Não é justo temer-se o emprego da palavra maiúscula nem do raciocínio inteligente. Os ditames de modernismos são frustrantes, e infelizmente, propalam ensinamentos de mestres de plantão, com sugestões medíocres. Eles permanecem encontradiços até em Faculdades – onde alunos são orientados a escolher as palavras “de menor tamanho”, insignificantes e insípidas, para a facilidade da escrita jornalística. Esquecem de que a riqueza e o apuro do raciocínio não impedem a leveza de uma crônica, que, por vezes, reveste-se de singularidades até jocosas, mas sem perder a condução de um raciocínio culto. A escassez de espaço e a brevidade de tempo, por vezes, expulsam a beleza da frase, a novidade da idéia, o raciocínio primoroso. O cronista pode ser moderno em sua linguagem, mas não precisa afastar-se da nobreza da exposição correta. Por trás de um texto simples, linear, há de postar-se um pensamento criativo. À frase, é permitido que se apresente, curta e clara, sem rebuscamentos, mas a idéia precisa guardar oculta profundidade. Deve-se trabalhar o verbo e evitar-se o linguajar poluído, eivado de lugares-comuns, que agem como estepes emergenciais. Já se distancia o tempo em que os grandes romancistas publicavam em primeira mão, nos jornais, os fascículos de suas obras antológicas. A imprensa retratava a cultura nacional. Hoje, salvam-se jornalistas, na maioria acadêmicos, que pontuam nos mais conceituados diários do Estado.
Platão dava aulas a seus discípulos, naquela inicial academia. Na Idade Média e na Renascença, houve a criação de numerosos núcleos literários e artísticos com o mesmo nome, ou academias. Veio da França o primeiro centro com a realidade literária atualizada, fundada pelo Cardeal Richelieu, em 1634, e que foi oficializada no ano seguinte, por Luís XIII. Portugal seguiu-lhe o exemplo, e por ali houve outros centros de literatura, com nomes curiosos, como a Academia dos Generosos, a dos Singulares e mais uma, a dos Anônimos. Em 1724, alguns membros dessas academias vieram para o Brasil e participaram da Academia Brasílica dos Esquecidos, fundada pelo Vice-Rei Vasco Fernandes César de Meneses, na Bahia. No Rio de Janeiro, em 1636, já se tinha fundado a Academia dos Felizes. Em 1752, organizou-se uma nova entidade, nomeada Academia dos Seletos. Sabe-se que entre os seus membros realçava a figura de uma poeta extraordinária, cega de nascença, Ângela do Amaral Rangel.
As mulheres que integram os quadros da AFEMIL trabalham para que Minas se orgulhe de sua atividade literária, sem caráter seletivo ou discriminação, mas com respeito, pelo denodo intelectual que desenvolvem.
A história das diferentes academias nascidas e renascidas no Brasil é longa, vendo-se o nome de Cláudio Manuel da Costa em uma delas,como correspondente. A mais se ver, em Vila Rica, foi fundada a Arcádia ou Colônia Ultramarina, em 1768. Finalmente, com o intuito declarado de se “dedicar à cultura da língua e da literatura nacional, surgiu, em 1896, na cidade do Rio de Janeiro, a Academia Brasileira de Letras, constituída por quarenta membros”. A ABL, além de ter como finalidade o cultivo das boas-letras, apresenta entre suas principais funções: a elaboração de dicionários da língua portuguesa, a realização de reformas gramaticais e ortográficas, a publicação de obras literárias e antologias de escritores nacionais e a distribuição de prêmios literários.
Um grupo de personalidades, ligadas às letras, à política, militantes da cátedra e dos tribunais, resolveu fundar em Juiz de Fora, a Academia Mineira de Letras, em 24 de dezembro de 1909. A transferência para a jovem capital do Estado, Belo Horizonte, deu-se em 1915. A AML é presidida hoje pela ilustre intelectual, Elizabeth Rennó, que a mantém em elevado conceito nacional. Dos quadros da AFEMIL, convocadas, já ocuparam e ocupam cadeiras nesse respeitável sodalício, notáveis intelectuais: Lacyr Schettino, Alaíde Lisboa de Oliveira e Elizabeth Rennó. Henriqueta Lisboa é uma das quarenta patronas escolhidas.
As academias literárias florescem magnificamente pelas mãos habilidosas de seus membros, dos quais, o labor intelectual reflete a criação da cultura de sua gente. Os escritores e as escritoras são artífices que ajudam a construir a pátria espiritual de um país.
Carmen Schneider Guimarães – Escritora/Presidente emérita da AFEMIL – Acadêmica da AML, ocupa a cadeira nº 5.