Ao longo dos seis últimos séculos, foram publicados em torno de 130 milhões de livros. Livros diferentes, é claro. Em princípio, 130 milhões de ideias ou de assuntos originais. Por isso se diz que tudo já foi escrito. Discordo. Cada um de nós possui 100 bilhões de neurônios, capazes de quatrilhões de conexões exclusivas, potenciais desbravadoras de cantinhos ainda escuros de nossa alma. Somos 7 bilhões de pessoas ao redor do mundo. Jamais conceberemos novidades? Além disso, a vida hoje, agora, neste momento, não está no papel. Tampouco em alguma tela. Portanto pede um autor.
Essa enormidade de obras escritas significa que, feitas algumas aproximações, a humanidade alcançou um recorde que não consta do Guinness: ultrapassamos o primeiro trilhão de palavras impressas. Um trilhão de palavras… Elas englobam quase toda a nossa cultura e conhecimento, quase todas as emoções e sonhos, quase tudo de tudo. Quase. Sempre existe espaço para a surpresa, para o pulo do gato, para o insight que nos arrancará espanto, para a inveja do “por que não pensei nisso antes?”.
Nada de ufanismo, no entanto, com a galáxia de Gutenberg. Há coisas maiores que nosso acervo, muito maiores. Por exemplo, se cada palavra impressa se transformasse numa estrela, elas ocupariam aproximadamente dez galáxias como a Via Láctea. A gente olharia para o céu, e as Três Marias seriam, por exemplo, “beleza”, “saúde” e “ternura”. Sirius poderia virar “sedução”. As cinco estrelas do Cruzeiro do Sul designariam respectivamente “eu”, “tu”, “ele”, “nós” e “eles”. Para nós, escritores, seria uma solução celestial. Literalmente cairia do céu. Haveria livros escritos lá no alto. Bastaria combinar as estrelas. Ou colhê-las. Ora, direis, colher estrelas?
Mesmo em total falta de juízo, nossa insignificância astronômica transparece. Conseguiríamos, dessa maneira, apalavrar dez galáxias. Apenas dez. Os outros 200 bilhões de galáxias existentes restariam intocados, à procura de escritores eternidade afora. Pior ainda: não temos tantas palavras assim, uma para cada estrela, nem somando todas as línguas vivas e mortas. Precisaríamos inventá-las a um ritmo alucinante. Coisa que nem o homem de negócios de O Pequeno Príncipe conseguiria. Se trouxermos o raciocínio à Terra, as palavras sucumbem ante as finanças. Tudo o que todos os brasileiros produziram em 2017, nosso PIB, alcançou 6,6 trilhões de reais.
Se distribuíssemos essa fortuna entre os autores, caso fosse possível, cada um receberia 5 reais por palavra escrita e publicada. Para mim, uma notícia maravilhosa. Navegar é preciso. Sonhar, idem.
Vamos nos encarar. A história humana, desde a invenção da escrita, em relação ao tempo de existência do universo, demoraria menos que a leitura da palavra “Riobaldo” ou “Diadorim” dentro da totalidade das páginas de Grande Sertão: Veredas, a obra maior de Guimarães Rosa. Posto de outra forma, frente às estrelas, significamos menos que um verbo dentro de um romance. No entanto, já dissemos muito com essa pequenez. Cento e trinta milhões de livros… Com nossos milhões, bilhões e trilhões de números, criamos uma visão de mundo que nos orienta entre o infinitamente grande e o infinitamente pequeno. E nos encantamos com a precisão enganadora da matemática. Tão ambígua quanto a da palavra.
Por Luís Ângelo da Silva Giffoni, ocupante da cadeira nº 33 da Academia Mineira de Letras.