Rogério Faria Tavares
Jornalista. Doutor em Literatura.
Presidente da Academia Mineira de Letras

“A Academia precisa estar cada vez mais atenta e sensível, porosa, permeável, aberta ao que intriga e ao que espanta, sem medo, sem juízos previamente formados, sem o olhar elitista, que exclui e afasta”

Foi na noite de 25 de dezembro de 1909, em Juiz de Fora, que, movidos pelo amor à literatura e à língua portuguesa, 12 intelectuais decidiram fundar a Academia Mineira de Letras (AML). Espaço de sociabilidade e de convivência amena, fraterna e elegante, a AML foi transferida para Belo Horizonte em 1915. Mas é desde a sua fundação que ela acolhe poetas e prosadores, professores, juristas, filósofos e cientistas, médicos e estadistas, a todos propiciando um ambiente adequado ao encontro das ideias, sem preconceito de qualquer natureza, firme na crença de que é da pluralidade e da diversidade de opiniões e de visões de mundo que se alimenta a inteligência humana. Projeto coletivo, a Academia é obra conjunta, orquestra numerosa, coral das muitas vozes que por Minas ecoaram, e que continuarão ecoando pelas décadas que virão. Aqui há uma confluência de temporalidades, uma mistura – saudável e necessária – entre as diversas formas de encarar os fenômenos da cultura, fenômenos que não se cansam de nos surpreender, sobretudo nesta tumultuada segunda década do século 21.
Por isso, para ser capaz de compreender tais fenômenos devidamente, a Academia precisa estar cada vez mais atenta e sensível, porosa, permeável, aberta ao que intriga e ao que espanta, sem medo, sem juízos previamente formados, sem o olhar elitista, que exclui e afasta. A Academia quer aproximar-se. Para tanto, é fundamental o exercício diário da curiosidade, da vontade de aprender e de aventurar-se pelo desconhecido. Os fenômenos da cultura, no Brasil de 2022, não acontecem somente nas universidades, nas bibliotecas ou nos centros culturais das grandes metrópoles. Eles estão nas comunidades, nas aldeias indígenas, nos presídios e nas periferias das capitais. Não ocorrem apenas nos salões ou entre aqueles beneficiados pela renda ou pela sorte. O tão aclamado Cânone, hoje, se expandiu. Está dilatado. Justamente para ser capaz de abrigar aquilo que antes não passava por seus dutos estreitos e excludentes.
Se é seu dever prestar atenção no que acontece aqui e agora, a Academia é, ao mesmo tempo, guardiã das boas tradições, da história e da memória de Minas. Nosso grêmio preserva acervo valioso, composto por mais de 30 mil itens, entre livros raros, cartas, manuscritos e periódicos. Aqui se encontram dez coleções particulares, entre as quais as de Nelson de Sena, Eduardo Frieiro, Vivaldi e Edison Moreira. Nossa ‘drummondiana’ reúne 400 crônicas do imenso poeta itabirano, por ele datilografadas e emendadas a mão. Hoje integralmente posto à disposição do público, esse valioso tesouro tem prestado inestimáveis serviços à comunidade acadêmica do estado e do país, contribuindo para o desenvolvimento de importantes pesquisas e de estudos fundamentais.
A Academia é casa de portas abertas, oferecendo à comunidade programação intensa, relevante e atual, sempre gratuita e acessível a todos. Consciente do poder da internet, a AML se modernizou e ingressou no Facebook, no Instagram e no Youtube. No começo da pandemia, em 2020, seu canal na plataforma de vídeos contava com 200 inscritos. Hoje, tem cerca de 4 mil, número impressionante. Afinal, nossas conferências duram aproximadamente uma hora e não três ou quatro minutos, como ocorre com a maioria dos materiais veiculados na rede.
Foi essa preocupação com a democratização do conhecimento aqui gerado que nos levou a digitalizar a coleção completa da Revista da Academia Mineira de Letras, fundada em 1922. Ela continua circulando em papel, mas também viaja, célere, pelo mundo, por meio da rede mundial de computadores.
Lançados em meu período na presidência, seus três últimos números comprovam o vigor e o rigor da publicação e sua vocação para a permanência. O de número 79 celebra os 110 anos da AML. O de número 80 traz extenso dossiê sobre as mulheres mineiras que se dedicaram à literatura. O de número 81 traz dois dossiês temáticos: um, dedicado às literaturas africanas em língua portuguesa. O outro, dedicado à poesia indígena em Minas.

Por todas essas razões, nada mais merecido que comemorar, com alegria e em grande estilo, os 113 anos da Casa de Alphonsus de Guimaraens e de Henriqueta Lisboa, na certeza de que ela presta relevantes contribuições à cultura e à história de Minas.

Disponível em:https://www.em.com.br/app/noticia/opiniao/2022/12/19/interna_opiniao,1435069/nos-113-anos-da-academia-mineira-de-letras.shtml