Como todo escritor, sou mentiroso. É dever de ofício. Quanto maior nossa competência para mentir, maior sucesso gozamos entre os leitores. A mentira bem engendrada faz nossos personagens mais reais, mais palpáveis, mais críveis, mais humanos. Romancistas e contistas são mais que fingidores, vamos além, inventamos vidas e mundos, trazemos alegrias e tristezas, juntamos e separamos pessoas, matamos a bel-prazer, criamos e resolvemos problemas no papel. No papel, nada mais. Daí nossa alcunha: ficcionistas.
Não podemos acreditar em nossas fantasias. Muitos autores incorreram nesse erro e se deram mal. Hemingway, por exemplo, achava que tudo se resumia à escrita e, sem escrever, a vida não valia a pena. Deu no que deu. Tiro de espingarda na cabeça. Cano duplo.
Leitores também confundem ficção com realidade, o que é, aliás, muito comum. Já me abordaram na rua para perguntar se sou realmente como personagens que criei, justamente os mais polêmicos. Fizeram coisas mais terríveis com outros autores. Por exemplo, influenciados por um livro chamado “Os Sofrimentos do Jovem Werther”, do alemão Goethe, muitos jovens cometeram suicídio no século 18. Goethe mentiu com tanta competência que transmitiu para muita gente o desespero do amor não correspondido, provocando suplícios em série.
O costume dos autores afirmarem que são mentirosos é antigo. Fernando Sabino escreveu uma bela crônica sobre isso, na qual se confessou mentiroso compulsivo desde pequeno, daí a decisão de derramar nas palavras sua obsessão e ainda ganhar um dinheirinho. Agora, cá entre nós, quem não mente de vez em quando? Quem, quem? De escritor, de mentiroso e de louco todo mundo tem um pouco. Pobre de mim. Se dissesse, em fevereiro do ano passado, que neste ano teríamos uma Terça-Feira de Cinzas, eu teria tudo isso junto, em dose cavalar. A realidade conseguiu ser mais criativa que a mentira.