OS OSTENSÓRIOS DE OURO E A LADROAGEM
Danilo Gomes
Sempre acompanhei, com indignação, essas histórias de roubos de imagens, crucifixos e objetos sacros em nossas igrejas barrocas de Minas. A segurança costuma ser mínima ou nula, zero. Peças preciosas, antigas, únicas, ficam expostas à sanha dos ladrões. Quanta roubalheira em nossas igrejas e capelas! Há cerca de 20 anos ( não sei como está a situação hoje), o município e a arquidiocese de Mariana não tinham como oferecer segurança às obras do nosso tesouro colonial. E olhem que temos lá o Museu de Arte Sacra, criado pelo saudoso Dom Oscar de Oliveira, arcebispo e poeta, membro da Academia Mineira de Letras.
Houve um tempo em que até o ícone do Santíssimo Sacramento, que ficava exposto na Catedral Basílica da Sé ( onde fui batizado), não pôde mais permanecer ali, para a adoração dos fiéis. A bandidagem não deixava, e a a legislação era ( continua) fraca. A coisa chegou a um ponto, que os ladrões arrombaram duas igrejas ( a Sé e a igreja de Santo Antônio) e levaram as espórtulas doadas pelos fiéis.
Tempo houve em que, no Rio, o pároco da igreja da Ressurreição, em Copacabana, guardou o resplendor de prata portuguesa da imagem de Santa Rita de Cássia, da qual os larápios haviam levado o crucifixo com apliques de prata. Castiçais e toalhas de linho de outros templos cariocas já foram roubados. E assim pelo Brasil afora.
Fico pensando na falta de segurança das valiosas peças do nosso tesouro colonial sacro mineiro. Lembro-me da beleza dos ostensórios de ouro, que abrigam a Hóstia Consagrada, ícone, símbolo e imagem de veneração dos católicos. Da minha mais tenra infância, guardo a lembrança dos ostensórios nas igrejas de Mariana. Depois, nas de Ouro Preto e Cachoeira do Campo, onde estudei interno. O ostensório é uma bela peça de ouro ou prata, às vezes com pedras preciosas. É guardado no sacrário, que é o Sanctum Sanctorum, o Santo dos Santos, a parte mais íntima do templo, o Santíssimo, o ápice da sacralidade, o Sacratíssimo.
O saudoso cardeal Dom Eugênio Sales, do Rio de Janeiro, em artigo no “Jornal do Brasil”, referiu-se ( já lá se vão duas décadas) ao documento do Vaticano denominado “Redemptionis Sacramentum”, sobre a eucaristia e seu ritual, que não pode ser vulgarizado pela falta de respeito que impera em nossos dias. O capítulo VI daquele documento chancelado pelo papa afirma que ao Santíssimo Sacramento “será reservado um sacrário na parte mais nobre da igreja, mais insigne, destacada e convenientemente adornada” para os ritos litúrgicos, que o então papa João Paulo II sempre quis preservar.
Ora, o sacrário, como foi dito, contém o ostensório, também chamado ( principalmente em Portugal) custódia. Na “Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira”, a acepção litúrgica de custódia ganha um verbete recheado de informações históricas e religiosas, com reproduções iconográficas da riquíssima custódia de ouro, cravejada com 4.120 pedras preciosas, dádiva do rei Dom José I à Sé de Lisboa, e da igualmente belíssima custódia de prata branca e dourada, “de singularíssima elegância”, cravejada de pedras preciosas, obra do século XVIII.
Mas temos ainda, para encher mais os olhos de admiração, a “celebérrima custódia estilo gótico-manuelino, obra de Gil Vicente, lavrada em 1506, após a reintegração dirigida pelo Dr. José de Figueiredo” – a preciosidade está no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa. Também na Sé Patriarcal de Lisboa há uma suntuosa custódia do tempo del Rey Dom João V.
Na enciclopédia acima mencionada, o verbete custódia é majestosamente opulento em informações eruditas, sendo de se destacar que a ourivesaria portuguesa é das mais belas do mundo ( muito do ouro por ela utilizado saiu de Minas Gerais e de Goiás, como se sabe). No Brasil, Portugal e outros países tradicionalmente católicos, o ostensório (ou custódia) é o “vaso litúrgico utilizado para patentear aos fiéis a Hóstia, quando exposta solenemente à sua adoração.”
Diante do ostensório cantávamos, em latim, conforme a antiga usança, o “Tantum Ergum Sacramentum”, em Mariana, Ouro Preto, Cachoeira do Campo e tantas outras cidades brasileiras. Era a cerimônia do “Te Deum”. Era assim no Colégio do Caraça, cujo bicentenário foi lembrado pelo Desembargador Aluízio Quintão, poeta e escritor, em palestra sob o título “Colégio do Caraça bicentenário – relembranças e curiosidades”, dia 11-2-2021, no canal da Academia Mineira de Letras, a convite do Presidente Rogério Faria Tavares. Essa excelente e instrutiva palestra está disponível no youtube.com/c/AcademiaMineiraDeLetras.
Parece que a ladroagem que mira nossos tesouros barrocos diminuiu, mas todo cuidado é pouco. Os ladrões não respeitam os templos de quaisquer religiões e os fanáticos e fundamentalistas realizam destruições, quebradeiras. A legislação é fraca, precisa ser draconiana.