FASCINAÇÃO DAS ASAS
Começa assim: ao sair para seu passeio em manhã de primavera, Aurélio não imaginava a imensa jornada que teria. As caminhadas de sábado eram o tempo que considerava verdadeiramente seu e, pelas trilhas da floresta, entregava-se à contemplação das aves, sentindo-se maior e mais vivo, não simplesmente um consumidor de utilidades, um número em meio à multidão.
Refiro-me ao livro “A fascinação das asas”, uma ficção, que Fernando Armando Ribeiro lançou no segundo semestre do ano passado e que, somente agora, em plena pandemia, tenho o prazer de ler, em sossego. Trata-se do primeiro que, no gênero, publica, e valeu a pena. Porque, se para o protagonista da novela é um mero passeio entre árvores e bichos, para o leitor constitui espaço para meditação útil, fundamental ao homem que pensa.
O passeio se transformará numa aventura, em que Aurélio se encontra com um grupo de pessoas, suficientemente preparadas e em ação contra o governo totalitário instalado. Nasce um amor profundo com uma das revolucionárias, por assim dizer, e é levado a seu convívio. Durará pouco. Logo é aprisionado pelos agentes da ditadura e cumpre um longo período com personagens diversas, inclusive com um velho, preso há anos, e que, no fundo, é um sábio, que lhe transmite experiências e aconselhamento.
A narração evolui para o fim da rebelião, as coisas retornam lentamente a seu normal, entram em cena os novos donos do poder, com o protagonista buscando posicionar-se, enfrentando dificuldades que retroagem à infância, mas sem conseguir localizar a jovem da floresta.
Em cada capítulo, uma surpresa, uma revelação, uma lição. Mantém contatos com próceres do novo governo, levando consigo, contudo, a percepção de que a primeira lei abolida no imaginário de ditadores é a da finitude humana. “Falavam e agiam como se fossem gozar de poder eterno”.
Mas havia, enquanto se esforçava por encontrar o amor perdido, a lembrança da jardineira cega que dizia ouvir as flores e a ativa reminiscência do velho prisioneiro, para quem “as revoluções que tolheram as asas serão sempre vazias e perigosas”.
Para terminar, informo: Fernando Armando Ribeiro nasceu em Belo Horizonte, tem excelente biografia, e é professor na PUC Minas.
Texto publicado no site do Jornal Hoje em Dia – 26/09/2020.