A Educação é sempre um tema presente nas minhas reflexões. Ao longo da minha trajetória como professor procurei sempre instigar os meus alunos a pensar sobre as duas dimensões diferenciadoras da condição humana em relação aos demais seres viventes: primeiro, a capacidade de pensar, refletir, buscar e ampliar conhecimentos, guardar na memória e no coração, desenvolver esta fascinante dimensão intelectual e cultural que se expressa através das palavras faladas e escritas, através das artes. A segunda, que em boa medida é um desdobramento da primeira, é a capacidade de amar, que se traduz nos gestos e ações relacionadas com o acolhimento, a partilha e a solidariedade no plano familiar e das relações de amizade, a prática da justiça, a construção de consensos, o exercício cotidiano dos direitos e deveres da cidadania no plano comunitário.
Por que estas duas dimensões não encontram condições adequadas para sua plena expansão? Fiquemos hoje com a primeira dimensão. A dimensão das possibilidades do conhecimento e do saber, o gosto pelos estudos e pelas boas leituras. A verdade que nos inquieta e desafia é que seguramente a maioria das nossas crianças e dos nossos jovens não sente prazer nos estudos, em frequentar aulas e escolas. Muitas vezes o fim das aulas e das obrigações escolares é visto como uma conquista da libertação. O fim de um tempo que impõe limitações e impedimentos. Cabe-nos perguntar, onde estão as travas e os bloqueios que impedem o prazer e alegria do aprendizado, das descobertas de novos horizontes e possibilidades intelectuais que abrem novas fronteiras existenciais nos espaços pessoais, familiares e comunitários.
Penso que a necessária reflexão sobre os conteúdos curriculares impõe simultaneamente, ou mesmo antes, a busca de métodos e relações que, sem comprometer os conteúdos objetivos pedagógicos, tornem a educação e a escola espaços gratificantes, prazerosos, anunciadores. Cabe aí certamente, para fazer as necessárias conexões, o papel das disciplinas curriculares. A filosofia, por exemplo. Platão dizia que a filosofia começava com o alumbramento diante do mundo. As crianças, aos três, quatro, cinco anos, vivem a belíssima fase dos porquês e para-quês que muitas vezes incomodam a paciência
encurtada dos adultos. Nas respostas aos porquês e para-quês, que abrem novas perguntas está a porteira que possibilita uma relação mais amorosa com os estudos e a pesquisa.
Talvez o caminho seja descobrir com Riobaldo Tatarana, o cangaceiro pensante de Guimarães Rosa: “Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende (…) Eu quase que nada sei. Mas desconfio de muita coisa. O senhor concedendo, eu digo: para pensar longe, sou cão mestre – o senhor solte em minha frente uma ideia ligeira, e eu rastreio essa por fundo de todos os matos, amém!”.
Talvez para melhor aprendizado de todos, nós adultos devemos recuperar o espírito da infância de que fala a lição perene dos Evangelhos e acompanhar as crianças nas suas perguntas e olhares. Nenhuma área do conhecimento é fechada, está sempre aberta a novas dúvidas e possibilidades. Coloca-se hoje o desafio de integração dessas diferentes áreas do pensar e saberes humanos.
Nesta perspectiva o conhecimento amplia as possibilidades convivenciais entre os seres humanos e as nossas relações com a natureza, com a vida nas suas múltiplas e misteriosas manifestações. Abre a possibilidade para penetrarmos, sem jamais exaurirmos, os desafios da ciência; revermos o passado em dimensões cada vez mais aprofundadas e alargadas, compreendermos os desafios do presente, perscrutarmos o futuro.
É razoável vincularmos educação ao êxito profissional e financeiro, mas a educação transcende esta dimensão. Trata-se de um apelo, um desejo que é inerente ao ser humano, muitas vezes infelizmente recalcado e reprimido. Precisamos reacender esta dimensão em nossas mentes e corações.
Uma boa escola pressupõe uma boa sociedade, onde muitas, e cada vez mais, pessoas pensem e sintam o alumbramento diante da vida e perguntem com o nosso poeta Caetano Veloso: “Existimos, a que será que se destina?”.