O velho acordou, cobriu a boca com as costas das mãos ao bocejar. Assustou-se com o tamanho das unhas, retorcidas de tão grandes. Ao cofiar a barba, os braços ficaram pequenos para alcançar a ponta dos fios. Dirigiu-se a um dos guardas que seguravam tochas ao lado da cama:

 

– Qual é mesmo o seu nome, filho?
– Gabriel, senhor, mas pode me chamar de Gabi.
– Como andam minhas criaturas?
– Algumas em pé, outras rastejando, outras voando, senhor, conforme sua vontade.
– Não é isso o que eu quero saber, Gabriel. Como vão minhas criaturas?
– De modo geral, bem, senhor. As da galáxia de Andrômeda são impecáveis, divinas e ma-ra-vi-lho-sas! Mas aquelas últimas, colocadas na Via Láctea, lá na Terra, lembra-se?, aquelas feitas com o restinho do barro, quando já estava meio podre…
– O que os humanos estão aprontando?
– De tudo, senhor, de tudo.Agora estão brigando até por causa de vírus.
– Isso é mau?
– Ouvi dizer que sim, senhor.
– Você me deixou curioso, filho. Vou visitar a Terra. Antes, quero que você chegue até lá, faça um rol de pedidos e lamúrias, para eu decidir o que atender. Vou olhar mais a humanidade. Não basta ser pai, tem que participar.

Gabriel chegou à Terra numa carruagem de fogo. Para evitar duplicidade de sentido, mal-entendidos e multas de trânsito, ele não estava bêbado: o fogo em questão se refere às chamas que enfeitavam o veículo espacial. Deu centenas de voltas ao redor do planeta, em busca do melhor local para o pouso. Acabou escolhendo a praça das Nações Unidas, em Nova York. Ao aterrissar, uma multidão cercou a astronave. Quando a porta se abriu, uma mulher gritou:

– Olha lá o Elvis! Ele voltou, eu sabia!
Gabriel recebeu a maior ovação da vida. Acabrunhado, mandou beijinhos para as fãs mais ardorosas. Quase puxou Love Me Tender, contudo preferiu anunciar a real identidade.

O secretário-geral da ONU se adiantou para cumprimentá-lo, mas foi atropelado pelo presidente norte-americano que estendeu os braços e os sorrisos:

– Bem-vindo à América, Gabriel! Posso chamá-lo de Gabby?
O secretário-geral, em voz diplomática, reclamou:
– Isso não se faz, senhor presidente. Aqui é território mundial, e eu represento todas as nações.
– Aqui é Nova York, meu caro. Nova York, Estados Unidos! E eu sou o presidente deste país. Com licença. Vamos dar uma voltinha, Gabby?

 

Nesse momento, os protestos começaram. O primeiro veio de um grupo de padres: “Gabriel, a sua qual é, por que não desceu na Santa Sé?”. Contra-atacaram: “Gabriel do nhenhenhém, por que desprezou Jerusalém?”. Feministas ergueram uma faixa quilométrica: “Deus é mulher!”. Membros do Orgulho Gay cantaram em coro: “Gabi, amigo do Mário, saia do armário!”. Senhores de cavanhaque ao lado de jovens com a cabeça raspada berraram: “Não existe nenhum deus, isso é invenção dos judeus!”.

Então a bomba explodiu, e o prédio da ONU veio abaixo. A multidão fugiu, em pandemônio. No meio do gramado, um garoto permaneceu, solitário. Levantou um cartaz: “O mundo vai virar meleca, se Gabriel não for a Meca!”.
Apavorado, o visitante correu para a carruagem de fogo – isto é, no meio do fogo – e decolou sem se despedir.

No mesmo dia, apresentou o relatório dos acontecimentos ao patrão. Este cofiou a barba, refletiu sobre a viagem à Terra, fez um muxoxo e indagou:
– Gabriel, como é mesmo o nome daquela galáxia onde tudo corre divinamente?
– Andrômeda, senhor.
– Toca pra lá, meu anjo.