ÂNGELO MACHADO
A morte de Ângelo Machado, na segunda, dia 6, privou a Academia Mineira de Letras (AML) de um dos intelectuais mais originais, interessantes e criativos que Minas e o Brasil conheceram nos últimos tempos. Genial, o sucessor de Mário Casassanta, Henriqueta Lisboa e Bartolomeu Campos de Queiroz na cadeira de número 26 soube dedicar-se à Ciência e à Arte, ao mesmo tempo, o que é raríssimo. Sua atuação como professor e pesquisador, por décadas, na Universidade Federal de Minas Gerais, também comprovou o seu apreço pela Educação como o recurso mais eficiente para melhorar e transformar o mundo. Ângelo formou várias gerações, a todas elas legando o brilho de sua inteligência e a impressionante abrangência de sua cultura. Incansável, ainda foi um dos pioneiros, no estado, na luta pelo meio ambiente. Corajoso, pautou o tema da Ecologia e foi um de seus mais devotados divulgadores. Sua bibliografia inclui diversos títulos voltados para o tema. Autor, igualmente, de mais de quatro dezenas de livros infanto-juvenis, amou as crianças como ninguém. Acreditava profundamente nelas e em sua potência para inventar um planeta mais bonito, onde a vida fosse mais feliz. Ângelo sempre foi, na verdade, dono de um coração de criança: aberto, simples, verdadeiro.
Seu falecimento me fez relembrar algumas cenas que seguirão comigo vida afora. Com o Francisco Nunes lotado, Sabrina e eu assistimos, com as crianças, durante a Campanha de Popularização do Teatro, à bela peça “A Patinha feia’, baseada na história de mesmo nome, adaptação do conto de Andersen feita por Ângelo. Ilustrado ricamente por Sarah Guedes, em edição caprichada da Miguilim, o volume foi lançado na Livraria da Rua, na Savassi. Foi quando colhi o autógrafo do autor para Carlos e Gabriela, firmado na mesma página em que se lê a dedicatória do livro: ‘Às crianças que sofrem ou já sofreram bullying’. Ângelo já estava bastante cansado, mas não perdia nunca a alegria e o humor que o caracterizaram sempre.
Foi assim também em dezembro de 2019, quando lançou, na AML, o seu último livro, o excelente “Cristóvão e os grandes descobrimentos”, publicado pela “Caravana Grupo Editorial”, dirigida pelo confrade Olavo Romano e por Leonardo Costaneto. A personagem principal é um piolho que, ousado, decide sair de sua casa para provar a todos que a cabeça em que morava era redonda.
Com desenhos de Lor e de Thalma de Oliveira Rodrigues, a saga de Cristóvão caiu no gosto não só de meus filhos, mas de todos os adultos que tiveram a oportunidade de conhecê-la. Tido como subversivo, o insolente piolho, em dado momento, retorna de sua expedição e é convidado para dar uma conferência na Real Academia de Ciências, onde apresenta o novo mapa da cabeça: “Assim, senhores acadêmicos, o abismo cósmico, que todos acreditavam estar além da Pinta Negra, de fato não existe, simplesmente porque a cabeça é redonda e não plana.” A mãe de Cristóvão, preocupada com suas ideias, adverte o filho: “Você já foi preso por falar essas coisas e agora vem com mais esta. Você está brincando com fogo. Você sabe muito bem a história do piolho Jordano Bruno, que foi preso a um fio de cabelo e queimado vivo por dizer que a cabeça não está parada e não é o centro do universo”.