Boa noite, senhoras e senhores. Cumprimento os integrantes da Mesa e o distinto público que nos honra com a sua presença.
É com imensa satisfação que falo da tribuna da Câmara Municipal de Juiz de Fora, instituição que acolheu, há onze décadas, a solenidade de fundação da Academia Mineira de Letras, mais uma eloquente comprovação do caráter arrojado do povo desta terra.
Berço da indústria, sede do progresso, celeiro de lideranças dinâmicas e ousadas, a chamada Manchester mineira também largou na frente no campo da cultura, confirmando outro de seus epítetos: a Atenas mineira. Graças à diligência de um notável elenco de intelectuais, foi responsável por trazer à luz, ainda na primeira década do século vinte, a agremiação cujos cento e dez anos celebramos hoje, nessa sessão memorável. Rendo, nessa hora, as melhores homenagens aos fundadores da Academia, evocando, na enunciação de seus nomes, a sua memória saudosa e o seu legado perene: Albino Esteves, Amanajós de Araújo, Belmiro Braga, Dilermando Cruz, Eduardo de Menezes (seu primeiro presidente), Estevan de Oliveira, Brant Horta, Heitor Guimarães, José Rangel, Lindolfo Gomes, Luís de Oliveira e o grande Machado Sobrinho.
É por causa deles que estamos aqui. É em razão da sua iniciativa e da sua persistência que estamos aqui. Eles não desistiram. Fizeram uma aposta e souberam sustenta-la, apesar de todas as dificuldades naturalmente enfrentadas por um empreendimento de tal natureza. Sonharam e realizaram. A eles seremos para sempre gratos. Aos ideais, valores e princípios que estabeleceram seremos sempre leais.
Se o projeto que um dia vislumbraram consistia, sobretudo, na promoção da língua portuguesa, da literatura e das artes, da educação e da história, aqui estamos, nesse instante, para afiançar que a ele permanecemos fieis. Ao longo de sua trajetória, a Academia seguiu, honrada, a trilha desbravada pelos pioneiros, guiando-se pela sua bússola e animando-se, pelo seu exemplo, a enveredar por caminhos novos, apontados pela evolução da sociedade. Sem transigir quanto ao cumprimento rigoroso de sua missão primordial, a Casa de Alphonsus de Guimaraens venceu o desafio do seu primeiro século e, no pleno vigor de suas forças, completa, agora, a sua primeira década no século vinte e um, perfeitamente ajustada à época que lhe coube viver.
Quem visita a Academia na sua sede da Rua da Bahia, em Belo Horizonte, ou acompanha as suas atividades pela imprensa ou pela internet, sabe que ela oferece a todos, gratuitamente, intensa programação cultural, relevante e atual, sediando palestras, fóruns e seminários que atraem amplo interesse. Um interesse que extrapola os círculos universitários, de especialistas ou de iniciados, para acolher gente das mais variadas ocupações profissionais ou níveis de escolaridade, sem discriminação de qualquer natureza. O que a Academia mais aprecia hoje é sua capacidade de comunicar-se com a comunidade de que faz parte. É para ela o nosso trabalho. É para ela que o seu trabalho precisa fazer sentido.
Afinal, cultura é direito de todos, assegurado pela Constituição Federal. Solo a partir do qual o povo ergue as suas identidades, é onde ele se movimenta no presente e elabora seus projetos para o futuro. Não há nação emancipada sem uma cultura autônoma e forte, que resguarde a auto -estima de sua população. Se não fosse por isso, atualmente, mais que nunca, a cultura é vetor de desenvolvimento econômico e fator de inclusão social, mobiliza uma extensa cadeia produtiva, gera emprego e renda, atrai o turista, e contribui para a qualidade de vida das pessoas, tornando-as mais felizes e mais afinadas com a sua alma.
Aqui, inevitavelmente, impõe-se declarar, mais uma vez, a indissolúvel relação entre Cultura e Educação. A Academia Mineira de Letras, assim como a maior parte das instituições culturais, possui uma inequívoca dimensão educadora, da qual não tem como se esquivar. Os seus gestos e os seus movimentos em favor da Língua e da Literatura informam e formam o seu público.
Traço definidor da programação cultural da Academia Mineira de Letras é o seu absoluto respeito à diversidade. Se à nossa instituição cabe preservar o patrimônio literário de Minas Gerais, zelando pela sua integridade, a ela o mundo contemporâneo também atribuiu outra função: a do diálogo com o novo, com as manifestações estéticas que surpreendem e às vezes até intrigam. Em nosso calendário, pois, há cada vez mais espaço para receber as expressões artísticas que, por muitos anos, ficaram esquecidas, foram negligenciadas, desprezadas, ou consideradas de menor importância. Tudo o que é literário nos interessa: a literatura afro-descendente, a literatura indígena, a literatura de cordel, a literatura fantástica ou mística, a despeito dos lugares de que se originam. Queremos, curiosos, travar contato com a literatura produzida pelas novas e pelas novíssimas gerações, proveniente dos grandes centros ou das periferias, da zona rural ou das megalópoles, das comunidades empobrecidas, dos presídios ou dos quilombos. A complexidade do fenômeno literário não nos permite optar pelos caminhos fáceis do estereótipo, do preconceito, do pré-julgamento ou da exclusão. A Academia é o local apropriado para a reflexão e a crítica, fornecendo, igualmente, ambiente seguro e saudável para a escuta e para a compreensão, para a convivência com o diferente, com o divergente, e para o debate franco e produtivo.
Se a nossa Casa é um ativo centro de realizações culturais, também é importante núcleo de acervo e documentação. Dá abrigo a dez coleções, entre as quais as de Nelson de Senna, Eduardo Frieiro, Edison e Vivaldi Moreira, o que soma mais de trinta e mil itens, entre livros raros, manuscritos e correspondência. Passando agora por um processo de gestão profissional, eles se abrirão, em breve, e de forma definitiva, para a consulta geral. Seus tesouros são preciosos demais para que se restrinja o seu acesso a um pequeno grupo.
Espaço, pois, de promoção e de preservação do conhecimento, a Casa de Alphonsus de Guimaraens ainda é importante núcleo difusor do saber. Em circulação desde 1922, quando foi lançado o seu primeiro número, sob a presidência de Mário de Lima, irmão do nosso presidente de honra, Augusto de Lima, a Revista da Academia chegará, em 2020, ao seu número setenta e nove, num volume de mais de quinhentas páginas. Com alegria para os seus organizadores, entre os artigos dessa edição está um valioso texto das professoras Leila Barbosa e Marisa Timponi sobre o imortal Belmiro Braga.
Sintonizados com as tecnologias digitais, os conteúdos produzidos pela Academia Mineira de Letras também são veiculados pela rede mundial de computadores, onde mantemos site próprio, perfis no facebook e no instagram e canal no you tube. Temos muito o que mostrar.
O percurso seguido pela Academia em suas onze décadas de existência é digno de atenção e de estudo. Poucas são as entidades, no estado, que desfrutam de capital simbólico semelhante. Lar de prosadores e poetas como Alphonsus de Guimaraens, Abgar Renault, Bartolomeu Campos de Queiroz, Cyro dos Anjos, Emílio Moura e Henriqueta Lisboa, ela também contou, entre seus integrantes, com nomes como Afonso Arinos de Melo Franco, Juscelino Kubitscheck, Milton Campos, Oscar Dias Correa, Paulo Pinheiro Chagas, Pedro Aleixo e Tancredo Neves.
Sorte maior ela teve, no entanto, com a galeria de seus amigos e benfeitores, entre os quais é imperioso citar o ex-governador Hélio Garcia, a quem se deve a doação, para a entidade, do majestoso Palacete Borges da Costa, onde estamos hoje instalados, e o presidente Itamar Franco, a cuja intervenção decisiva devemos a construção do prédio anexo, onde fica o nosso auditório.
A razão para tamanho poder de agregação reside, sem dúvida, na permanência, em suas práticas, das condutas pretendidas pelos nossos fundadores, aos quais volto a homenagear, nessa noite. Além do amor apaixonado pela Cultura, pela Língua, pela Literatura, pela Memória e pela História, as atitudes requeridas daqueles que se aproximam da Academia ou que a ela pretendem associar-se estão todas alinhadas com o chamado espírito acadêmico: a capacidade de conviver com os colegas, de modo leve, fraterno, suave e elegante, apreciando as suas ideias e sabendo respeitá-las, mesmo que não estejam de acordo com as nossas.
As Academias de Letras, também por isso, são vitórias da civilização sobre a barbárie, da civilidade sobre a truculência, da inteligência sobre a ignorância.
É isso o que temos pregado há cento e dez anos. É o que vamos continuar pregando – e fazendo, pelas próximas onze décadas.
Muito obrigado!
por Rogério Faria Tavares – Jornalista e Presidente da Academia Mineira de Letras.