Cabe a mim, nesta hora, agradecer as saudações aos 110 anos da Academia Mineira de Letras, há pouco pronunciadas por José Anchieta da Silva, presidente da Associação de Amigos da Academia Mineira de Letras, e por Marco Lucchesi, presidente da Academia Brasileira de Letras.

A todos eles, o meu muito obrigado, em nome dos integrantes dessa Casa – mais que centenária e ainda no pleno vigor de suas forças.

Incansável- quando o tema é a Cultura

Afinal, promover a Cultura é desafio interminável, que convoca o melhor da inteligência humana, o engajamento do corpo e da alma e a sincera adesão do sentimento. Se não houver o brilho nos olhos, não adianta. É ele que expressa o alinhamento entre a palavra e a ação. E promover a Cultura é agir. É interferir na realidade. É provocar a mudança. É tornar o mundo mais belo e mais instigante. É propor às pessoas uma mirada nova e surpreendente sobre a realidade.

Nascida há onze décadas, em Juiz de Fora, pelas mãos de doze amigos apaixonados pela Literatura e pela Língua Portuguesa, a Academia Mineira de Letras logo ganhou mais dezoito e, finalmente, seus últimos dez integrantes, formando o grupo dos quarenta titulares, como é da tradição. Vindo para Belo Horizonte em 1915, conquistou sua sede própria na década de quarenta, na gestão do presidente Heli Menegale. Em 1987, como resultado da heroica luta empreendida pelo gigante Vivaldi Moreira, mudou-se para o imponente Palacete Borges da Costa, onde está até hoje, e para o qual já se providencia a condição de Casa Museu. Em 1994, ficou pronto o anexo ao Palacete, onde nos encontramos agora. Projeto do arquiteto Gustavo Penna, é nele que têm lugar a maior parte da extensa e intensa agenda de eventos da instituição, gratuita e aberta ao público.

É o que a cidadania pede, hoje, de entidades como a nossa. Sua existência só se justifica se fizer sentido para a comunidade em que está inserida. Se dialogar com a sua época e, sobretudo, se procurar escutar e entender as suas aflições. No mundo que queremos construir, não há mais espaço para o monólogo, a conversa com o próprio umbigo, o auto centramento, a auto referência. Ou para o elitismo. O que se busca é o gesto em direção ao outro, é o encontro com ele. É a atitude de empatia e de compaixão, em tudo oposta à intolerância, à bravata, ao ódio.

A Academia Mineira de Letras é a casa da meditação, do equilíbrio, da ponderação, da interlocução madura e produtiva entre os opostos. É a casa da palavra e não do litígio. É a casa da gentileza e da delicadeza. Da cortesia.

Evoco a grandeza dos que vieram antes de nós e que aos pósteros legaram a sabedoria do comedimento e da cautela, mas, ao mesmo tempo, da firmeza e da coragem. Coragem para deixar para trás o que perdeu a razão de ser. Coragem para seguir adiante. E arriscar. Coragem para aventurar-se pelo desconhecido.

Pois o que se quer é a postura da curiosidade permanente. Tudo muda, o tempo todo. É preciso aguçar a visão para captar as imagens da vida, em constante movimento. Acreditar na fotografia tirada há uma década ou há um ano é iludir-se em relação ao que nos cerca. É preciso aguçar todos os sentidos. O dia de amanhã é o que vai nos espantar ou nos fascinar. O planeta é um enigma a ser constantemente decifrado. As perguntas importam mais que as respostas. Saber aprender é mais valioso que saber ensinar. A reflexão e a crítica são instrumentos de sobrevivência.

Por tudo isso, no mundo que queremos construir, não há também espaço para o estereótipo, o preconceito e a discriminação. Nem para os donos da verdade, os truculentos, os toscos, os que querem ganhar no grito ou na intimidação.

Com a atenção mobilizada pelo que se passa em seu entorno, essa Casa está presente em 2019 assim como esteve em 1909 e como estará presente, mais do que nunca, em 2099. Estendendo o fio que percorre as diferentes eras, tecendo o manto que aquece as sucessivas gerações, ela é testemunha da História, ativadora da Memória e das boas tradições mineiras.

Síntese do país, como dizem muitos, Minas Gerais consolidou-se, ao longo dos séculos, como celeiro de talentos invulgares, em todos os campos da atividade humana. De suas montanhas, de suas matas, dos sertões e do cerrado chegaram as mulheres e os homens que afinal integraram, com brilho, a Casa de Alphonsus de Guimaraens e de Henriqueta Lisboa. Imortalizados pelo seu entusiasmo pelas Letras, eles permanecem vivos no nosso afeto e por meio do que escreveram, tesouro que hoje habita o nosso acervo.

Zelosa guardiã dessa jóia, a Academia Mineira de Letras abriga cerca de trinta e cinco mil itens divididos em dez coleções fundamentais de livros, documentos, manuscritos e outras obras raras, nesse momento em processo de inventário e catalogação. Em breve, elas serão inteiramente abertas à consulta pública, como se espera de uma organização comprometida com o interesse social. Local de pesquisa, a Academia vem se firmando, cada vez mais, como espaço apropriado, não só para a produção, mas também para a difusão e a partilha do conhecimento, já que, ao seu repertório em papel e à sua revista, fundada em 1922,  é possível acrescentar, agora, o que se grava em áudio e em vídeo, e é posto na internet para vasta fruição. Em nosso canal no you tube já estão disponíveis mais de duzentas das conferências pronunciadas nesse auditório, bem como o registro dos seminários e ciclos de debates aqui realizados, sem censura ou restrição de qualquer natureza, como ordena a Constituição.

A Academia igualmente está no facebook, no instagram e com página própria na rede mundial de computadores, recebendo diariamente centenas de visitas de internautas residentes nos quatro cantos do globo. A comunicação de suas atividades ainda se dá por meio da imprensa, instância fundamental para a convivência democrática que quero, aqui, homenagear. Sou grato às rádios, às tevês, aos jornais e às revistas que frequentemente abrem o seu espaço para informar sobre os eventos e os programas da Academia. Como jornalista, sei o quanto o trabalho de meus colegas é decisivo para que se delineie uma sociedade cada vez mais consciente de si, de seus conflitos, de seus impasses e de suas possibilidades.

Surgidas na antiguidade clássica, revigoradas durante o Renascimento, o Iluminismo e a República, as academias de letras estarão sempre na defesa da mais ampla e total liberdade de pensamento e de expressão, bem como da liberdade de cátedra e da educação de qualidade, voltada para a emancipação humana, sem a qual os sonhos se limitam a ilusões, jamais ingressando na vida real.

Não há instituição cultural autentica que não preze a educação e, sobretudo, os professores. Filho e sobrinho de mulheres e de homens que dedicaram sua existência à sala de aula, sei o quanto a experiencia da educação humanista pode libertar o indivíduo, alargando os seus horizontes, conferindo a ele o protagonismo de seu destino, retirando-o da condição de objeto, afirmando-o como sujeito de sua própria vida, livrando-o da indigência mental e material, num país que até hoje insiste em assustar os seus filhos com o monstro da extrema desigualdade. Impiedosa, a feroz disparidade econômica que separa uns brasileiros de outros prejudica a ideia de fraternidade sobre a qual deveria se erguer uma Pátria realmente justa, digna de ser chamada ‘mãe gentil’.

É nesse ambiente de agudos contrastes que se levantam palavras como solidariedade, acesso e inclusão, termos que se devem empregar também ao universo das políticas para o Livro e a Leitura. Veículo de transmissão do conhecimento, ponte entre as pessoas, arma pacífica contra a ignorância, o livro deveria incluir-se na cesta básica do trabalhador, como o arroz e o feijão. Ou custar menos. E fazer parte – tanto do cenário doméstico, quanto da paisagem urbana. Como uma criança toma gosto pela leitura se não convive com o livro em sua casa? Como um cidadão se convence do valor da leitura se o livro não habita a cidade e ainda aparece pouco nas praças, nos parques e nos meios de transporte? E se as livrarias, sobretudo as de rua, estão cada vez mais raras, pela dificuldade em sobreviver. Valentes, os livreiros que conheço amam o que fazem e resistem, apesar de tudo. Assim como os editores, arquitetos de um negócio arriscado, que merece ser incentivado, posto que estratégico para o desenvolvimento nacional. Núcleos essenciais ao florescimento comunitário, as bibliotecas e os profissionais que nelas atuam também merecem uma palavra de louvor, já que prestam contribuição inestimável ao crescimento intelectual de nossa gente.

Se bibliotecários, editores e livreiros são atores indispensáveis à circulação do livro na sociedade, seus autores cultivam, entre outras, as pródigas terras da literatura. Ao longo de sua trajetória, a Academia Mineira de Letras acolheu quase duas centenas deles, em convivência suave, amena, elegante. Em cento e dez anos, essa Casa abrigou quadro eclético e abrangente, capaz de irmanar prosadores e poetas, professores, estadistas, juristas, cientistas e filósofos, independente de suas origens, crenças espirituais ou ideológicas, importando mais o valor de sua obra, a repercussão dela no meio social e o chamado espírito acadêmico, a alegria genuína em relacionar-se com o outro, a habilidade de discordar sem ofender, a vontade de descobrir universos distintos, a disposição para o novo.

É a vitória do espírito acadêmico, em seu mais refinado estilo, que tem permitido a essa Casa receber, hospitaleira, variada gama de pensadores, dedicados a assuntos tão diversos quanto a chamada literatura afrodescendente ou afrobrasileira, a literatura indígena, a literatura infantil e juvenil, as relações entre a literatura e o direito, a psicanálise, a dança, o teatro, o cinema, as artes visuais. Sem esquecer os que estudam os cantos vigorosos emitidos pelas ruas dos centros e das periferias, expressando-o pelo samba, o rap ou o hip hop, nos saraus e nos duelos -os ditos slams – que vicejam por todo lado. O que é mais sedutor que a diversidade?

É o que se deve afirmar numa nação como a nossa, fenômeno único e original na história da civilização, amálgama impressionante de etnias e religiões, mistura de cores, cheiros e sabores. O Brasil é um milagre da raça humana e como tal deve ser querido, em sua grandeza e em seus mistérios.

Fascinada exatamente por essa grandeza e por esses mistérios – e também pelo enigma chamado Minas Gerais – a Academia Mineira de Letras seguirá em frente, fiel à sua missão de promover a literatura, a riqueza e o dinamismo da Língua Portuguesa, leal aos seus fundadores, anfitriã amiga de todas as gerações que por ela passaram, comprometida com as que ainda chegarão.

Que venham as próximas onze décadas.

Muito obrigado!

 

 

 

Por Rogério Faria Tavares, presidente da AML, ocupante da cadeira 8.