Em minha rua há uma paineira florida que sorri para mim. Nunca vi tanta flor numa árvore. Dez mil, no mínimo. Todas parecidas, nenhuma igual. Nesse enorme buquê, o rosado predomina, sobretudo de longe, seguido de perto pelo amarelo, quase creme. Uma festa para pássaros e insetos. E para meus olhos.

Passo sob a copa, devagar, atento, abobalhado com tanta beleza. Pareço ser o único a se emocionar. No ponto de ônibus, as pessoas não notam a florada, talvez o espetáculo gratuito nada signifique para elas, apressadas em atender o dia a dia, indefesas ante os apelos do consumo e do relógio. Devem achar que sou um tonto a descer a rua olhando para cima. Talvez seja mesmo. Já não existe muito espaço para a embriaguez da beleza.

Paineiras em floração me remetem à vida. Viajava debaixo de muitas delas, quando meu filho me telefonou, confirmando que eu seria avô. Uma alegria do tamanho das copas que enfeitavam a estrada. Fim de março, começo de estação e gestação. Novo ser humano, nova geração, nova curtição. Ganharia, meses depois, a companhia de uma neta. Enquanto projeto biológico, enquanto permanência genética no mundo, meu sucesso estava garantido. Emoção demais, coração de menos. Nessa hora, a gente esvazia o peito através dos olhos.

A paineira de minha rua não tem a minha sorte. Suas flores morrem no passeio e no asfalto, sem qualquer possibilidade de gerar outra árvore. Tecem, com as pétalas, a própria mortalha. O chão está forrado, um tapete, alegre cobertura fúnebre. O lixo é o destino final de toda essa formosura. Talvez os garis até defendam a substituição das árvores, para evitar a sujeira. Eu me pergunto: por que elas, ano após ano, seguem produzindo flores que vão dar em nada? Apenas para enfeitiçar um eventual transeunte que lhes dedique três minutinhos de atenção?

Penso um pouco mais sobre o assunto. Descubro que somos todos como as paineiras. Ninguém sabe aonde iremos, aonde irão nossos filhos e netos, o que o futuro nos reserva. Se soubéssemos, talvez evitássemos descendentes. Eles terão momentos de alegria e dor, sem dúvida, mas a proporção de uma e outra é um segredo que jamais decifraremos. No entanto, como as paineiras, continuamos a florescer a cada geração, a encantar-nos uns aos outros e a refazer a trilha humana, de olhos vendados. Ignoramos se nossas sementes cairão no cimentado, no asfalto ou em terreno fértil. Se a água virá com abundância ou a seca prevalecerá.

A vida é o culto ao desconhecido, à aventura sem destino. Sempre foi assim. Para todas as espécies. Muitas ficaram pelo caminho, nada garante que não ficaremos, sobretudo se nossa insensatez continuar aumentando. Importa que, até agora, a vida continua, apesar dos reveses, enquanto a semeamos ao vento.

Olho outra vez para a árvore. Não a quero metafísica, quero-a apenas árvore, árvore florida, bela de ver, bela de ler, um poema. Que me visite todo fim de março, que se aninhe em meu peito. E sempre me traga de volta a emoção de saber que a primeira neta estava a caminho e, hoje, doze anos depois, sorri para mim, acompanhada de quatro outras netas e um neto, que também sorriem. Sorrisos rosados, de paineiras em plena floração.

 

 

Por Luís Ângelo da Silva Giffoni, ocupante da cadeira nº 33  da Academia Mineira de Letras.