A princesa de Minas

Quando o mundo era uma pequena esfera na palma da mão da rainha Vitória, o Brasil imaginou que o Rio de Janeiro fosse Londres. Petrópolis seria Bath, a cidade de veraneio. E Juiz de Fora, a laboriosa Manchester, com suas mills lançando baforadas sobre o vale do Paraibuna. “Das cidades brasileiras,/ sendo a mais industrial”, legenda de que se ufana em seu hino, Juiz de Fora foi, em tudo e por tudo, uma síntese e um símbolo do Brasil oitocentista, a cidade sonhada pelo Império dos trópicos.

São Paulo era ainda a cidade ao redor de um colégio, não mais o da catequese jesuítica dos indígenas de Piratininga, mas o dos bacharéis das Arcadas de São Francisco, ao tempo em que a Manchester mineira assumiu o protagonismo na cena do desenvolvimento industrial. Nela particularmente emergiu a nossa primeira indústria, ao largo das cafeiculturas escravocratas dos barões da Zona da Mata.

Ouro Preto é a cidade colonial por excelência, com suas ladeiras e igrejas barrocas. Belo Horizonte, a cidade republicana, traçada pela ordem positivista em nome do progresso anunciado pelo novo regime. Juiz de Fora é a cidade imperial. O Rio de Janeiro era a cidade das epidemias, adernada na planta insalubre herdada da colônia. O naturalista Langsdorff considerava, em 1824, que a capital do Império devia ser construída em outro sítio, e bem longe sugeriu fosse criada a universidade do Brasil, seguramente em uma das três localidades que para tanto identificou em Minas. São João del Rei empenhou-se no campo da indústria e construiu um ramal para chegar à corte (1881) antes de Ouro Preto, mas Juiz de Fora alcançou mais velozmente a condição de um verdadeiro parque industrial, tal como a revolução inglesa o havia engendrado.

O antigo arraial de Santo Antônio do Paraibuna, assinalado pela presença de um juiz de fora, tornou-se a convergência das ideias que animavam o país a sair de um passado perempto e tomar o rumo de uma era de prosperidade. O engenheiro Henrique Halfeld, vindo das guerras napoleônicas para servir em Minas Gerais, riscou a germânica avenida que perfaz a espinha dorsal da cidade e nela grifou um outro caminho novo, indicador do futuro.

O espírito empreendedor de lideranças como Mariano Procópio e Bernardo Mascarenhas deu forma aos elementos transformadores de Juiz de Fora. A estrada macadamizada União e Indústria, com seus portentosos equipamentos, o palacete neorrenascentista que hospedou Dom Pedro II, tornado o museu primaz – “nosso exigente gosto inglês não encontrou defeito na casa e em seu terreno”, escreveu em 1867 o irreverente Richard Burton –, e a hidrelétrica pioneira de Marmelos são ícones da metrópole nascente que encantou a segunda metade do século XIX como uma referência sem rival. Louis Agassiz e sua mulher, Elizabeth Cary Agassiz, deslumbraram-se, em 1864, com a beleza da paisagem e o requinte da Juiz de Fora em que Mariano Procópio oferecera a Dona Teresa Cristina um banquete numa floresta mágica, especialmente preparada para acolher a imperatriz em cenário fantástico: “o assento imperial se talhara numa das sapopemas de colossal figueira”.

A presença de alemães e italianos, logo identificada nas arquiteturas que vieram ornamentar o espaço urbano, serviu também para condenar a abominável escravidão e sugerir um crescimento compassado com os avanços europeus. O casarão jamais habitado pelo imperador, na grande artéria da cidade, logo pareceu um anacronismo, ao lado dos neologismos impulsionados pelo esplendor da indústria juizforana. Não faltariam as passagens e galerias no centro comercial, que lembram a Paris do século XIX estudada por Walter Benjamin.

A estrada que magnificamente se percorre nas fotos do alemão Revert Henry Klumb, construída entre 1854 e 1861, ligou diretamente Manchester a Bath e ambas a Londres, no mapa vitoriano do Brasil. O casal Agassiz observa que a sua conservação era feita apenas por trabalhadores livres. A pujança econômica de Juiz de Fora sustentou o desenvolvimento da Mata Mineira, notabilizou-se como exemplo e incentivo, abasteceu Petrópolis e a capital do país, e fez dessa urbs, civitas e polis o ícone do Brasil imperial.

O coroamento desse título foi feito por Alfredo Ferreira Lage, filho de Mariano Procópio. Ele arrematou, nos leilões apregoados pela República, um fabuloso acervo de variadíssimos itens procedentes dos paços imperiais interditados pelo governo do marechal Deodoro da Fonseca. Juiz de Fora recebeu a grande herança das casas dos Bragança, e Alfredo Ferreira Lage com ela criou um dos mais importantes museus do Brasil, anexando ao palacete paterno o primeiro imóvel especialmente projetado e construído para tal fim.

O estudo historiográfico de Antônio Carlos Duarte, com foco preciso no período, documenta admiravelmente a Juiz de Fora imperial. Oferece fartos subsídios ao conhecimento do processo que imprimiu as características que particularizaram a cidade. Depois de estudar em três livros o ecletismo, o art-déco e o modernismo, a partir dos repertórios da rica arquitetura local, ele volta-se para o desempenho da cidade desde a transferência do governo português para o Rio de Janeiro, passando pela presença de Dom Pedro I no Paraibuna, até ao Segundo Reinado. Comprova, assim, a sua singularidade nesse trecho da história mineira e nacional, quando Juiz de Fora foi, de fato, a princesa de Minas.

Apresentação do livro “Juiz de Fora Imperial”, do arquiteto e historiador Antônio Carlos Duarte, ex-diretor do Museu Mariano Procópio e autor de livros sobre a história juizforana. Edição FUNALFA, Juiz de Fora, MG, 2024.