* o poema faz parte da gaveta Natureza, do livro “Arrumar as Gavetas”, de Flávia de Queiroz Lima

O chão explode, se contorce,
a Terra grita
– expõe o intenso latejar do ventre aceso.
Perdido o efêmero equilíbrio onde transita,
treme e transborda, imprevisível
– nos dá medo.

O gelo rijo se esfacela,
o mar avança,
estronda e arrasta no trajeto
horror e espanto.
O vento empurra
a cinza escura que se espalha
deixando um rastro de pavor em cada canto…

A chuva em vão procura o verde onde se entranhe
e nos devolve a espessa água
– jorra enchente.
O rio manso avança as margens…
um exagero
levando casas,
gente,
tudo quanto encontra,
largando lama misturada em desespero.

Mesmo ofegante sob o lixo que sufoca,
e se amontoa sem limites,
sem cuidado,
a vida brota e desabrocha em cores densas.
Seu desafio nos acusa das ofensas
e nos aponta um gesto insano em tanto estrago.

A voz que emerge e chora aflita a cada estrondo,
não nos alerta,
não altera o movimento.
Enquanto a Terra explode,
escorre,
enterra escombros,
não há legenda traduzindo a dor na foto…

O rosto em foco estampa a perda irreparável,
mas tanta imagem não revela essa doença:
depois do pânico, a ajuda solidária
e volta tudo à mesma e cega indiferença.

imagem: http://favim.com/image/1023350/