Não é segredo. O que acontece na Academia de letras, que é Mineira, interessa a todos os que são deste Estado. Não sem razão já se comparou o sodalício ao Senado. Pois em eleição ali realizada para preenchimento da vaga deixada pelo ilustre acadêmico Aluísio Pimenta, dois candidatos concorreram, um dos quais, obviamente, foi proclamado eleito. Um deles entrou na Justiça contra o resultado. Deste modo, a entidade, que tem quarenta ocupantes, está com menos um. Por quanto tempo? A Justiça, para definir-se, é lenta.

Pensei sobre a questão no fim de semana, enquanto os jornais ostentavam informações inúmeras sobre os poderes da República, que ficam diminuídos em prestígio e confiança dos cidadãos, nem poderia ser de outro jeito e maneira. Seguimos a trilha.

Mas pude reler trechos do “Mais Torá, mais Vida”, do rabino Leonardo Alanati, que serve à Congregação Israelita Mineira, em Belo Horizonte. Nascido no Rio de Janeiro, de pais brasileiros; o genitor é de origem safardi, da Turquia, e a mãe, ashkenzai, da Bessarábia.

Em seu livro, ele comenta vários temas do cotidiano no Brasil e do mundo, em linguagem fácil ao entendimento. Ele conta, assim, o caso do rabino de Helm (que agora sei aproximadamente onde fica), cuja imparcialidade alcançada lhe deu fama por toda a região. Um dia, dois litigantes o procuraram para tentar resolver uma disputa. O rabino escutou, longa e pacientemente, o queixoso e lhe disse: “Tens razão”.

Em seguida, ouviu o acusado, do mesmo jeito e no mesmo tempo, e se manifestou: “Tens razão”. Diante das palavras do rabino, os personagens desta história saíram de sua casa satisfeitos. A esposa dele, porém, presente ao fato, ficara intrigada e lhe indagou: “Como é possível que ambos tenham razão?”. O marido, inquerido, não se fez de rogado e respondeu: “Queres que te diga? Tu também tens razão”.

Leonardo Alanati observa que contos humorísticos como esse eram frequentes entre os judeus, principalmente, entre os que falavam Idish. Os “sábios de Helm” tinham prodigiosa sabedoria e dialética, tornando-se objeto de gozação, que punham em discussão as próprias fraquezas e qualidades. É um sinal de maturidade, dando novas forças. Lembra, inclusive, que Freud prestava muita atenção aos casos hilários e às piadas, escrevendo que elas podem revelar muito sobre cada um de nós. A mim me parece que não se trata apenas de uma questão de bom humor, não sendo coincidência que o povo judeu tenha desenvolvido essa veia cômica nos períodos de seu maior sofrimento, quando chegavam a ironizar a própria miséria. Anota: “É interessante observarmos que o humor judaico se desenvolveu principalmente em regiões onde os judeus eram pobres e passavam por privações. Os diversos contos da “sabedoria” dos judeus de Helm foram registrados na Polônia antissemita do século passado. Os judeus ironizavam seu sofrimento e sua opressão. Esse senso de humor aguçado foi, sem dúvida, uma das forças que ajudou nosso povo a sobreviver”.

A propósito lembra-se Guilherme de Baskerville, de “0 nome da Rosa”, de Umberto Ecco. Para ele, “o riso pode curar a melancolia e aliviar o sofrimento”. O que tem ajudado, aliás, o brasileiro a enfrentar seus períodos de crise. Como a atual.

 

Por Manoel Hygino dos Santos, 1° tesoureiro da Academia Mineira de Letras, ocupa a cadeira nº 23.