Olho pela janela e lamento concordar que lá fora não mudou muito de 2017 para cá, a despeito do foguetório comemorativo da travessia do ano, da euforia dos que se transportam de seus locais de residência para as festas, que exaltam uma alegria que, na mais das vezes, não habita os corações. O tempo é duvidoso, não só aquele que as belas comunicadoras de televisão anunciam. O clima do ano findo não findou com ele. Apenas fazemos o jogo do faz de conta.
O mais deplorável é que restou um halo de desconfiança em torno do terceiro poder da República, ainda não contagiado pelo clima de suspeição em torno de suas decisões. Não o ignoram os próprios membros do Supremo Tribunal Federal, que é mais do que guardião da Constituição, porque o é da credibilidade da sociedade.
No dia 19, na sessão sobre investigações do “quadrilhão do PMDB na Câmara” ( a expressão está nos jornais do dia seguinte), o notório ministro Gilmar Mendes afirmou: “populismo judicial é responsável por esse tipo de assanhamento. A história não vai nos perdoar”.
O ministro Luís Roberto Barroso rebateu, afirmando que vira o episódio da mala de dinheiro: “eu vi a corridinha na televisão. Tudo documentado”, referindo-se ao ex-assessor especial da presidência, Rodrigo Rocha Loures. São fatos que enxovalham a dignidade e a honra nacionais. Barroso observou: “nós vivemos uma tragédia brasileira, uma tragédia de corrupção que se espalhou de alto a baixo. É a cultura de desonestidade em que todo mundo quer levar vantagem”.
No mesmo tom, concluiu: “são diferentes visões da vida e do país. Não acho que há uma investigação irresponsável. Há um país que se perdeu pelo caminho, naturalizou as coisas erradas. E temos o dever de enfrentar isso e de fazer um novo país, de ensinar às novas gerações que vale a pena ser honesto. Sem punitivismo, sem vingadores mascarados, mas também sem achar que ricos criminosos têm imunidade, porque não têm. Tem que tratar o menino pego com cem gramas de maconha da mesma forma que se trata quem desvia milhões de reais”.
Há intenso calor, chamas, em torno das decisões dos titulares dos três poderes da República. O caso Loures gerações não esquecerão, porque já inscrito nas páginas da história. Ademais há de se atentar, evidentemente, para a ação indireta de inconstitucionalidade, proposta pela Procuradoria-Geral da República quanto ao indulto de Natal, proposto pelo presidente da República, que causou, por óbvios motivos, tremendo mal-estar.
Para Raquel Dodge, o indulto “se destina a favorecer, claramente, a impunidade, dispensando do cumprimento da sentença judicial justamente os condenados por crimes que apresentam um alto grau de dano social, com consequências morais e sociais inestimáveis, como é o caso dos crimes de corrupção, de lavagem de dinheiro e outros correlatos”.
A ministra Carmen Lúcia, presidente da mais alta corte de Justiça, não deixou por menos. Suspendeu, em caráter liminar, o indulto previsto no decreto, assinado pelo chefe da nação.
Não há dúvida, porém, que o odor do escândalo já se espalhara amplamente. É nesse indesejado ambiente que abrimos o calendário de 2018. Só resta aguardar, se possível, que os dias vindouros desfaçam as perspectivas desagradáveis, porque o tempo é inexorável. Ele não perdoa.
Por Manoel Hygino dos Santos, 1° tesoureiro da Academia Mineira de Letras, ocupa a cadeira nº 23