Este é um tempo de debate sobre judicialização, em que Legislativo e Judiciário como se estranham, sob natural preocupação da invasão de áreas de poder. Parlamentares ou magistrados, membros do Ministério Público e da Polícia Federal, procuram definir claramente limites de ação. Na hora presente é oportuno lembrar fatos e personagens que atuaram e atuam em campo tão minado.
Li no MontesClaros.com, do jornalista e advogado Paulo Narciso, em boletim diário, um texto produzido por Geraldo Maurício. Radicado em Brasília (DF), é filho da professora Zezé Queiroz, mestra de gerações no Colégio São José, eterna residente na avenida Afonso Pena – a de Montes Claros, ao lado da bomba de gasolina do Tito dos Anjos.
O articulista lembra Augusto José Vieira Neto, juiz de direito aposentado, autor do livro “Estórias do Bala”, em que conta episódios de sua vida. Sem ter conhecido o magistrado, recorro à descrição. Augusto sempre levou a vida intensamente. Tudo nele era superlativo: compridão, mais de 1,80 metro, sempre acima de cem quilos. Sabia comer e beber. Falava alto e ria mais alto ainda. Dono de memória e inteligência extraordinárias, exercia habilidade de convencimento admirável, daí sua competência como professor.
O apelido era Bala Doce (o que diz tudo), sempre muito sensível às artes, principalmente música e cinema. Sobretudo amava profundamente sua terra, sua gente e costumes, a vida e as mulheres. Idolatrava os pais, os familiares, os mestres que lhe ensinaram os caminhos da existência, principalmente os amigos. Que eram muitos!
Segundo Geraldo Maurício, se era fiel amigos aos que lhe eram caros, não lhes perdoava os erros e vacilos. Vaidoso, irreverente e libertário, atropelava a vida, as pessoas, as convenções, as instituições, a moral e os costumes enquanto conflitassem com suas opiniões, coerência e maneira de ver o mundo e as coisas. Tinha arroubos de grandeza, coragem e ousadia nos desafios que enfrentava.
Notável contador de casos, consagrou-se como perspicaz cronista do cotidiano, mestre no humor fino ou mordaz. Embora engraçado, sofria crises de melancolia e solidão. Foi professor de ciências políticas na Unimontes. Em sua/nossa cidade reuniram-se os amigos para festejar seus 60 anos.
O próprio magistrado aposentado relatava um júri que presidiu na cidade mineira de Jequitinhonha, lá pelo ano de 1983. Ele interrogou o réu: “O senhor bebe?”. O acusado foi sincero: “Bebo sim, dotô, igualzinho ao sinhô, umazinha todo dia, no bar da beira do rio, em frente ao fórum”.
O meritíssimo, sisudo, manteve a respeitabilidade, fechou a cara, mas, quase aos gritos, determinou ao escrivão: “Registre-se: que o réu bebe, mo-de-ra-da-mente”.
Depois, Augusto José Vieira Neto apareceu como coautor de “Éramos felizes e sabíamos”, lançado em animadas noites em Brasília, Montes Claros e na Livraria Mineiriana, na capital mineira.
Compareceu, procedente de São Paulo, Raquel Pacheco, a Bruna Surfistinha, que lançara com grande repercussão um volume relatando suas experiência como garota de programa. Augusto brilhou na ocasião, mas não atendeu ao convite de ir ao programa do Jô. No dia 22 de outubro de 2017, o juiz foi encontrado morto em seu apartamento na cidade natal, aos 72 anos.
Por Manoel Hygino dos Santos, 1° tesoureiro da Academia Mineira de Letras, ocupa a cadeira nº 23