Belo Horizonte, 120 anos que se comemorarão em mais poucos dias. No princípio, eram os engenheiros, técnicos, boa parte de gente que viera de fora para cumprir a promessa do governo: entregar, em prazo certo, a nova capital. Houve dúvidas, oposição, desconfiança, os que desejavam outro local para sede do governo, aqueles que achavam que Ouro Preto ainda servia bem, que mudar nada resolveria.

Praticamente os que aqui chegavam há cem anos vinham de trem, avião era um sonho, volátil, sem previsão. Trem não era só palavra de mineiro, era o meio mais moderno e rápido de se desembarcar, em grande número, procedentes do restante dos municípios que formam um estado territorialmente maior que a França.

Mas Belo Horizonte era ainda um tanto província. Cyro dos Anjos, escritor, da Academia Brasileira de Letras, quando chegou pelos anos 20 do século que ficou para trás, lembrou o advento: “Enfim, passou General Carneiro (era estação), e daí a pouco um silvo mais longo (da locomotiva movida à lenha), ou melhor, vários deles, em minutos nos mantiveram nos subúrbios da Capital envolta em neblina e vento”. O rapazelho tremia dentro do terninho cáqui, adequado à poeira da cidade de origem e do chão da ferrovia cujo itinerário parecia não ter fim.

O escritor recorda: Depois da estação da Central, hoje Museu, “desci do carro diante da pensão Albornoz e estaquei, indeciso, rente á mala desconjuntada que o chofer deixara sobre o passeio. Seria mesmo ali? Defendido por um gradil prateado, o casarão, de alto embasamento, sólido, solerte, intimidava. Quem sabe eu me enganara o endereço? Parecia residência de secretário de Governo, ou senador da República, senão d’algum membro da excelsa Comissão Executiva do PRM”, o poderoso Partido Republicano Mineiro.

Era o tempo das pensões, alojamento ideal, mantidas as casas por famílias do interior, que aqui recomeçavam vida, com uma nova fonte de renda. Tudo marcou definitivamente o rapazinho do interior, ansioso. Lembra-se: “Cavalheiros de fraque, egressos de Ouro Preto, destronada, caminhavam, ainda, a passo pachorrento, pelas ruas largas e vazias de Belo Horizonte de 1924, detendo-se, de quando em quando, para sorverem o adocicado aroma das magnólias em flor”.

Ouro-pretense ou não, os fraques persistiram até por volta de 1930, “nunca os tendo dispensado o Dr. Moura Costa, diretor do Diário de Minas, nem o Professor Agostinho Penido, inventor de método relâmpago para alfabetizar adultos e portador de barbas à Deodoro, muito alvas, que o vento da Serra do Curral, açoitava, rijo, nas manhãs juninas”.

Já houvera mudança. Os monóculos, os tílburis e cupês, encontráveis ainda em 1916, esses tinham sumido por completo em 1923, consigo levando a quadrilha e a valsa, também a polca e o schottish, ou mesmo os tanguinhos de Nazaré. O jazz avançava, os blues dominavam os salões, enquanto, nos cabarés, o maxixe se via suplantado pelo samba.

O escritor observou: o número de habitantes de Belo Horizonte era assunto melindroso, pois provocava ciúme em Juiz de Fora. Os belo-horizontinos afirmavam que a Manchester ficara para trás, bem para trás. “A metrópole – e diziam ‘metrópole’ para machucar – atingira os 80 mil habitantes.

Por Manoel Hygino dos Santos, 1° tesoureiro da Academia Mineira de Letras, ocupa a cadeira nº 23