Elizabeth Rennó define o lugar de vida e onde mora a Beleza. Consagra a todas as coisas, até mesmo à palavra, o seu refúgio esplendoroso. Atribui moradia à preciosidade deste elemento vocabular, e dele faz eclodir dons marcantes de pureza, tanto do espírito, como do coração. Elizabeth tenta descobrir mais, e explica, filosoficamente, negatividade e desvios destruidores do primeiro significante da expressão, ao mesmo tempo em que intercede com a musicalidade em códigos de linguagem.

No seu louvado livro Post-scriptum, ela cita Jean Cohen, afirmando: “O poema, a estrofe, o verso e a palavra são apenas elementos da poesia”, e finaliza: “O poeta há de usá-los como puder ousar; e até utilizando palavras estranhas (…). O que importa é o ritmo, a expressão da poesia”. E a artista dá início à obra por caminhos semelhantes: o visor criativo de sua tarefa poética.

Identificou Elizabeth Rennó, com boa inspiração e justeza de propósito, AS QUATRO ESTAÇÕES, enriquecido o texto com um acréscimo inesperado de MAIS UMA.

A Bíblia, a conduzir-lhe os primeiros passos, abre um lampejo de fé e querença sublime que a conduz ao cerne da ideia. ER fala da majestade articuladora de todas as obras, personificação do pensamento: a palavra. É onde se espraia o dizer crescido da poeta, com os títulos, ajustados quase em ordem alfabética. “Palavras são palavras”, disse o pensador, mas aqui são pura poesia:

Inadimplente, Palavra que habito, A semente da palavra – (vinda de uma parábola), Balada, Como o voo, Como o vento, Como um grito, Criação, Dimensão, Forma, Fuga, Há um poema (lindíssimo), Vãs Palavras, Queda (mitológico), Setenário Milenar, Sussurros e Vazio.

Na sequência, dispõem-se as caminhadas, a segunda parte do livro, com Jornada. Ela parte mundo afora, adentro; Amboise I e Amboise II, lá vai em frente o enredo poético nas visitas às preciosidades panorâmicas e históricas de lugares com muitas civilizações milenárias: Atenas, O

Claustro (Mosteiro dos Jerônimos), Chambord (descrições magníficas), Em Harrisburg (“impassível, guarda apenas o secreto imo da eternidade” Belíssimo!), Imensidão, Lembrando Alencar (vai da secura do deserto, “aos verdes mares bravios do Ceará”), A Lição, Memórias de Portugal, O Menino (riqueza de detalhes), Paz na Romênia.

A autora chega para perto, vem beber da religiosidade de Minas, dos seus mistérios auríferos e do barroco sagrado. Está agora com Ataíde, nos rococós da madeira esculpida, na imagem do Santo Antônio, relicário de Santa Bárbara, “pérola no colar das Vilas do ouro”. Zarpa em seguida para a França, nos vitrais de Saint Denis. Entremeia com Serra do Curral, “maciço de auréola glauca”, guardando a capital de Minas Gerais. Em cadência ondulada, vai à Sicília, na Itália, quando fala do repouso dos prisioneiros reais. Taormina, do “mare nostrum”, que se estende de Lepanto a Siracusa. Andante em giros e voltas, visita a poeta o Palácio da Pena, em Tradição Mourisca. É justo que ela se demore em Portugal, pois vai ainda nos contar excelências da viagem, lembrando a Unidade

Portuguesa, o mar “jade verdejante” da terrinha, e conclui o espaço divisor, com Velas, ancorando seu verso, nas águas brasileiras, de porto baiano.

Para a leitura do livro, carece o leitor de cuidados e apreço à arte literária. Entrando no tomo terceiro da magnífica produção rennoniana, encontramos os trabalhos enfeixados sob o título de Ser. Claro está que a autora se prendeu a sentimentos e instantes de vida. Ela dá início aos vinte e oito poemas com Abstração, dentro do pensamento que irá dirigir e compor os versos, que, sozinhos, já poderiam perfazer um livro. Além do Além, quase um orar penitente, em prece.

Amor presente, Ao entardecer, Ascenção e Queda, Avatar (feliz associação), Campa Fria, Céleres horas e Construção. Fugindo à matéria prima real, de se pegar, vai a poeta aos céus, na busca do Arco-Iris, abraço em cores. Brancas vidas fala mais de fados e mortalhas. Em ação contrita e agradecida, escreve Graça. Lembrança, de “uma alma triste”, Medo e Mistério; Nuvens indecisas, Nuvem passageira, Nuvens sombrias retratam momentos de colóquio introspectivo. Olhar, Poema Lúbrico, Simplicidade e Sofrimento, no mesmo ritmo sentimental. Vêm ainda os mais do capítulo, Tempo, Terror, Vento, Um grito, Unidade, terminando com Vigília – que fala do momento em que só a luz lunar será capaz de “se debruçar sobre o vigilante insone”.

Em destaque, no final do livro, a arte esplêndida que nomeia o livro: AS QUATRO ESTAÇÕES MAIS UMA.

A estação primeira é a florida, com o verde sobressaindo no jardim de Eros. É o amor a espargir flores coloridas sobre a cabeça da eleita. A versão para o francês repete-se nas quatro estações, desde Printemps até o violento frio, de Este a Sudeste, L`hiver anunciante de amargor, em que “as vitórias-régias se queimam nos penares dos pesares”. Entremeio estas duas, o Verão, L´été,“em retornado andante do violoncelo”. E o outono, L´Automne, a despejar restos de folhagem, em queixoso esperar. Em tempo, com a derradeira lembrança, mais um inverno, de madrugadas frias, de corações enrijecidos.

C’est fini le temps.

Por Carmen Schneider Guimarães
Escritora, vários livros publicados, ocupa a cadeira nº5 na Academia Mineira de Letras. Texto publicado na Revista da Academia Mineira de Letras | ANO 93º – Volume LXIX – 2014