Existem cerca de dois mil e duzentos (2200) índios Guarani no RGS. Isto que a sua população aumentou a partir da promulgação da Constituição de 1988. Os Kaiganges proliferaram mais desde então. Somam hoje em tomo de vinte e oito mil habitantes.

Levando-se em conta que a nação tape-guarani formava o maior contingente populacional até a conquista ibérica, sobrepondo-se até ao somatório das demais nações indígenas no atual RGS, pode-se afirmar a iminência de sua extinção.

É de estarrecer constatar que o total da nossa população somente atingia os patamares pré-cabralinos (ou pré-colombianos), em 1850. Ora, em 1850 já tinham sido trazidos havia vinte e seis anos levas de imigrantes alemães que proliferavam com índices médios de mais de dez filhos por
casal. Além disso, mais de um século antes Portugal aportava aqui os casais açorianos.

Escancaram-se duas constatações:

1 – A trágica dimensão do genocídio praticado pelos dois estados ibéricos contra os autóctones!
2 – A quantidade de mortes havidas nas contínuas convulsões e guerras nesta região.

A derrocada das Missões, depois da predatória ação dos bandeirantes, liquidou de vez com o gosto de viver dos Guarani.

O índio perdido
Joga-se à toa
De vida e sentido
Seu mundo esboroa…

A partir de 1750 a alternância de poder sobre os Sete Povos, ora espanholas, ora lusitanas estraçalharam os laços familiares dos Guarani missioneiros. Quando à posse de um lado seguiam-se incessantes investidas, militares ou aventureiras da outra parte imperialista.

Depois de reconquistadas as Missões Orientais do Uruguai pelos espanhóis, seus administradores adotaram todos os tipos de rapinagem e truculências possíveis.

O administrador
Lhe aplica o açoite
Em auge furor
O índio se afoite
A ser indolente
Parece demente
Ausente a e. ressão
Pra nada mai presta
o silêncio lhe resta
Que é como diz: NÃO!

Aventureiros avançavam sobre Missões para satisfazer seus impulsos sexuais porque lá havia mulheres em abundância e sem dono.

Os índios missioneiros perderam tudo: a pátria; as cidades; os templos; as casas; o gado; as terras; a agricultura; as indústrias; as artes. Perderam até o direito a uma esposa e a constituir família.

A cúpula administrativa de vice-reinado resolveu agir. Havia despesas na manutenção da posse e nenhum lucro. No templo dos jesuítas os reis de Espanha usufruíam polpudos rendimentos das Missões e estes sustentavam Buenos Aires. Ora, os jesuítas estavam expulsos. Nem a Ordem da Companhia de Jesus existia mais. Dentro do descalabro ético, moral e de rapinagem pretendiam, de forma cínica, uma solução religiosa. Colocaram ali os franciscanos para reedificarem os índios e fazê-los trabalhar. Foi um desastre:

Então surge o frade
Que diz ser cristão
Quase lhe grita
Fazendo o alarde
Não és o jesuíta
De livro na mão.
Se fecha em mutismo
Expõe-lhe o nudismo
Do corpo e da mente
Em ato profano
Do Frei ‘indulgente’
Só sente o abano
De atroz chibatada
Mais ânsia arvorada
De cópulas e taras
Expondo as varas
Às índias havidas
Por posse e repasto
Deixando um rastro
De párias paridas
Com tantas sevícias
Nas índias tão ternas
Tornando-as eternas
Potrancas de amor…

Em pleno século XX o positivista Borges de Medeiros, presidente (governador), do RGS também resolveu agir a seu modo em “defesa” dos índios. Juntou os restos das várias nações ainda existentes, entre elas, as nações Kaigangues, lbiraiaras e Guarani. Guenoas, charruas, minuanos e carijós estavam extintos há tempos. Alojou-os, como bichos da mesma espécie, em um belo jardim zoológico no norte do estado. Os índios missioneiros já não completavam o número de quatrocentos viventes.

Foi nessa situação vergonhosa e nauseabunda que chegamos à constituinte de 1988 com o dever cívico de resgatar os direitos da pessoa humana, o direito de ir e vir do cidadão, as garantias individuais e os direitos dos povos…

É preciso dizer ou escrever mais?!

por Ruy Nedel
Escritor gaúcho, historiador, ensaísta, romancista. Reside em Cerro Largo (RS). Texto publicado na Revista da Academia Mineira de Letras | Ano 92° – volume LXX – 2014