Não teve mesmo jeito. Depois de alguns dias ela acabou morrendo. Quase ninguém entendeu a dor de João Tibúrcio. Afinal de contas não precisava sofrer tanto. Mas ele não achava assim e enquanto abria a cova ia se lembrando de tudo que acontecera. Ela nascera e crescera ali, junto dele, e pouco a pouco passou a querê-la como se fosse filha. No início sua mulher também a admirava e se revezava com ele nos tratos. À medida que os anos passavam ficava mais viçosa e mais bonita. João Tibúrcio passava horas e horas perto dela, acariciando-lhe o tronco branco, admirando seu porte majestoso. Foi quando começaram os primeiros atritos com a esposa. No início apenas por causa das folhas que caíam e sujavam a varanda. Depois surgiu aquele galho que cresceu muito, impedindo que abrissem a janela.

João Tibúrcio estava suado e cansado com o esforço de abrir a cova. O trabalho era prejudicado pelas raízes que cruzavam de um lado para outro e que ele procurava não cortar. O monte de terra vermelha do lado de fora mostrava que o buraco já estava bastante grande.

O pior é que um galho forçou a janela e penetrou no quarto do casal. Pelo orifício entravam pernilongos e quando chovia o assoalho ficava todo molhado. Dona Laurinda exigiu que ele cortasse o galho. Brigaram. João achava que aquilo seria uma mutilação. Foi quando outro galho começou a crescer assustadoramente em direção à janela da sala de visitas. Em poucos dias penetrou sala a dentro e as folhas passaram a cair diretamente no tapete. Sua mulher ficou furiosa mas não teve coragem de cortá-lo, de medo do marido. No íntimo João achava que ela tinha razão,
mas a culpa não era dele. Quando um amigo lhe trouxe de Manaus aquela sementinha, nunca imaginou que se transformaria numa samaúma gigante. Se soubesse não teria plantado tão próximo à casa. Agora era tarde. Ele a viu crescer, dar a primeira flor, o primeiro fruto. Tornou-se uma árvore enorme cuja fronde cobria quase toda a casa e cujos galhos agora entravam pela janela do quarto e da sala de visitas. A sombra da árvore era deliciosa, mas quando chovia muito toda a casa mofava. Sua mulher (que era alérgica a mofo) tinha crises horríveis de asma durante as quais, quase asfixiada, lhe pedia com respiração estertorosa: Cooooorta a árvore… coooorta a árvore… cooooorta a árvore…

Mas João recusava-se a cortá-la. Estava apaixonado por ela. Adorava seu tronco, seus galhos, sua sombra, as flores, as raízes, o cheiro e até mesmo aquelas frutas enormes e duras que caiam sobre o telhado, quebrando as telhas.

No início, João tinha muito orgulho de sua samaúma e convidava os amigos para vê-la. Era a maior árvore da cidade. Pouco a pouco o amor de João pela árvore evoluiu para um ciúme sem nenhuma lógica. Deixou de trabalhar e passava todo o tempo debaixo dela, espantando os pássaros e os insetos que tentavam se aproximar. Um dia D. Laurinda encontrou-o inteiramente nu abraçado à árvore, as mãos espalmadas acariciando-lhe a casca, o rosto colado ao tronco liso. Apavorou-se. Depois daquele episódio a vida conjugal acabou. Nem podia ser de outro modo, com brigas quase diárias!

Quando vieram os frutos ele os apanhou com carinho levando-os para dentro de casa. D. Laurinda não permitiu:
– São seus. Leve-os para onde quiser, menos para dentro de minha casa.

João Tibúrcio passou a trabalhar dentro do buraco jogando terra para fora com a pá. A cova já estava bastante funda. Enquanto trabalhava, João Tibúrcio continuava rememorando a situação.

Há cerca de um ano começaram a surgir problemas com as raízes. Elas haviam penetrado debaixo dos alicerces da casa e uma delas levantou todo o assoalho da sala de jantar. Outra – engraçado como as raízes têm atração pela água – saiu certinha no fundo do vaso sanitário. Interessante foi uma raiz perdida que furou a lareira de um lado para outro. Uma noite acordaram com um barulho estranho: uma raiz tinha acabado de entrar debaixo da cama do casal. Com as chuvas a água se infiltrou no trajeto das raízes e a parede lateral do banheiro caiu. Um engenheiro que estudou a situação disse que não adiantava fazer nada. A única solução para salvar a casa seria cortar a árvore. Sob protestos da esposa João Tibúrcio recusou-se a fazer isto. As folhas e os frutos da árvore, agora com mais de 30 metros de altura, acabaram danificando completamente o telhado. D. Laurinda foi obrigada a mudar-se para o barracão da empregada, mas a árvore, como que por vingança, atacou o barracão com suas raízes. João Tibúrcio há muito tempo já dormia em uma barraca debaixo da samaúma. Às vezes ele achava que sua mulher tinha razão, mas faltava-lhe a coragem para tomar uma atitude contra a árvore. Tornara-se um escravo da planta que amava mais que tudo no mundo. Foi por isso que levou aquele susto, quando as primeiras folhas começaram a amarelar. A moléstia progrediu rapidamente: as folhas amarelavam, murchavam e caiam. Galhos e galhos foram rapidamente sendo acometidos. Um consolo ele tinha: foi feito tudo. Foram ouvidos os melhores agrônomos e os mais competentes botânicos, trouxeram até um americano especialista em brocas. Organizou-se uma junta de especialistas. João sofria ao vê-los colhendo material da árvore para exames de laboratório. Mas não teve jeito. A árvore secou todinha, espalhando folhas secas pelo telhado, pelo sótão, banheiro, sala de jantar e quarto de dormir. E ninguém conseguiu saber a causa da moléstia. Quer dizer, ninguém entre os especialistas, porque o jardineiro descobriu tudo e contou como D. Laurinda havia dado uma série de injeções de cianeto no tronco da árvore. Ele havia confirmado tudo ao achar a seringa e a lata do veneno escondidas. Maldade sem limites! Na certa ela estava achando que, quando a árvore secasse, ele permitiria que fosse cortada. Nunca!!! Ficaria ali em pé, seca para sempre, até que apodrecesse e caísse, não importava que destruísse toda a casa.

João Tibúrcio acabou de fazer a cova bem próxima ao tronco seco da samaúma. Entrou no barracão, de onde voltou arrastando pelas pernas o cadáver da mulher. Em várias partes do corpo viam-se marcas roxas de injeções de cianeto. Depois da primeira injeção ela não acordara mais. Entretanto, ele fizera questão de dar várias outras nas pernas e no tronco. Usara a mesma seringa e agulha que havia servido para matar sua querida samaúma. Enterrou a mulher de pé até ao nível do umbigo. Como o tronco e a cabeça estavam caindo, foi obrigado a amarrá-la a uma estaca.

Já era noite quando a polícia chegou. Chovia. João Tibúrcio, abraçado ao tronco da árvore, tinha os olhos fixos na mulher que acabara de plantar.

por Ângelo Machado
médico e escritor, ocupa a cadeira nº 26 da Academia Mineira de Letras.  Texto publicado na Revista da Academia Mineira de Letras  | ANO 92º – Volume LXIX – 2014