Edgard Pereira

 

Vigora no país, entre os intelectuais, um altivo desdém pelo Parnasianismo. Em alguns casos, pode-se falar abertamente de preconceito. Não se deve desmerecer o verso parnasiano, intransigentemente. A Semana de Arte Moderna de 1922, cujo centenário se comemora neste ano de 2022, no afã de promover a atualização artística, exacerbou a crítica contra o passado das letras, condenando em especial o parnasianismo, satirizado pelo poema “Os sapos”, de Manuel Bandeira, poeta que estreou com versos nesse estilo. Coisas do mundo das artes. Não faz sentido atirar, de uma hora para outra, no lixo livros que foram pensados e escritos dentro de cânones vigentes num contexto, depois considerados ultrapassados. O próprio Mário de Andrade, figura de proa em se tratando da renovação literária do país, refere-se, respeitosamente, a poetas de outras épocas como “mestres do passado”. Esta aversão aos moldes passadistas, em questões de poesia, na verdade agrega outras práticas, como o uso de métrica, de rimas e de preceitos estabelecidos. Houve o excesso de se torcer o nariz diante da produção de grandes autores, desde que rotulados como seguidores de rigorosas técnicas de metrificação. Desvanecida a voga romântica, a estética parnasiana floresceu entre os anos de 1870 a 1920, mais ou menos, cruzando-se com outras correntes, como o Simbolismo e o Impressionismo. Um contexto efervescente de eventos científicos e culturais, de avanços arquitetônicos e artísticos, a época de ouro dos cafés e da boemia. Não se pode ignorar que, mesmo entre os autores modernos, há aqueles que se dedicaram à produção de sonetos vertidos dentro dos princípios da escola parnasiana: Carlos Drummond de Andrade, Augusto Frederico Schmidt, Vinícius de Morais, Jorge de Lima, Cecília Meireles. Isto posto, retorno ao título: por que Augusto de Lima? O que esse autor, para muitos apenas um nome de rua, tem a ver com Belo Horizonte?

Antônio Augusto de Lima nasceu em Nova Lima, na época denominada Congonhas do Sabará, em 1860; faleceu em 1934, no Rio de Janeiro. Advogado, político, magistrado e jornalista, exerceu inúmeras funções burocráticas, governou provisoriamente Minas Gerais e se destacou na campanha pela mudança da capital do estado de Ouro Preto para Belo Horizonte. Por esse motivo, mais tarde, após a morte do poeta, o prefeito Otacílio N. de Lima determinou que fosse batizada com o seu nome uma das mais belas avenidas da capital mineira. Honraria de nítido perfil político, sem dúvida. Pertenceu à Academia Brasileira de Letras, chegando a presidi-la (1928).

No caso de Belo Horizonte, além dele, outros nomes ilustres foram também agraciados em grandes avenidas e ruas: Silviano Brandão, Afonso Pena, João Pinheiro, Olegário Maciel e Bernardo Guimarães. Augusto de Lima pode ser considerado titular, caso se escale uma seleção de poetas parnasianos, imitando uma seleção de futebol. A convocação, a seguir apresentada, talvez não receba unanimidade, mas tenta agregar os grandes valores desta tendência poética: Olavo Bilac, Alberto de Oliveira, Raimundo Correia, Vicente de Carvalho, Luís Murat, Teófilo Dias, Augusto de Lima, Gonçalves Crespo, Machado de Assis, Luís Guimarães Júnior. Péricles Eugênio da Silva Ramos talvez discordasse desta lista, teria outras preferências no time titular, deixando Augusto de Lima na reserva, junto com os últimos três nomes citados, aos quais ainda acrescentaria Guimarães Passos, Bernardino Lopes, Emílio de Menezes, Fontoura Xavier, Adelino Fontoura. Não se dispensa a possibilidade de escalação de uma mulher, Francisca Júlia, autora de Mármores, elogiada por Bilac, como craque. Como outros intelectuais formados nas últimas décadas do século XIX, Augusto de Lima escreveu poemas de acordo com os princípios estéticos de sua época; publicou obras importantes, Contemporâneas (1887), Poesias (1909). Alguns de seus poemas resistem à passagem do tempo, os sonetos “Noite de estio”, “Voz das coisas”, “Cético”, “Dois desertos”, “Oráculos”, “Supremo bem”, “Requiescat”, “A Serenata”, “Epílogo”, além de um longo poema dedicado a São Francisco de Assis. “O verso de Augusto de Lima, diz Lívio de Castro, é moldável como a cera, flexível como o aço; adapta-se a todos os preceitos da mais rigorosa métrica, traduz as mais ligeiras graduações de pensamentos, e sempre, qualquer que seja o momento, descreve ele com a calma de um espectador apenas curioso ou com a emoção de um interessado, sempre dominando os sons variados daquela instrumentação, nota-se o ritmo rigoroso, matemático, como só o têm os músicos”(estudo crítico em Poesias). O soneto “Epílogo”, a seguir transcrito, revela-se bastante representativo de seu talento poético:

 

Ideal tão sonhado, sonho puro,

inacessível à miséria humana,

tênue vapor da aspiração insana,

tanto me foges, quanto te procuro!

 

Sonho o bem imortal, mas o futuro,

frio estuário, ao lado do Nirvana,

leva os seres efêmeros que irmana

no mesmo nada eternamente obscuro.

 

Impetuoso coração, que esperas?

Basta! Que esperas, através dos escolhos,

de dilúvios, vulcões, terremotos?

 

Sangrei meus lábios de beijar quimeras;

cegos de ver miragens tenho – os olhos,

e de abraçar o vácuo – os braços rotos!

 

A fortuna crítica de Augusto de Lima não prosperou com o tempo. O tempo que o sucedeu, diga-se de passagem, não foi nem tem sido muito propício aos vates. Não seria custoso flagrar em seus poemas a nota do pessimismo, do desencanto, numa expressão reflexiva, desolada e fria: “A Evolução é uma hecatombe imensa,/ a vida – um espetáculo tremendo… / Por mais que em nós a vida à morte vença/ há sempre em nós alguém que está morrendo”. Sobretudo, os analistas, que se detiveram em seus versos, foram pródigos em realçar o cuidado com a harmonia da frase, o lavor dedicado a questões de ritmo e musicalidade:

 

Aos ouvidos do vulgo indiferente

passa o rumor das coisas. Quem me dera

vertê-lo em notas de harmonia austera,

o original guardando fielmente!

 

(,,,)

 

Sons vagos, indecisos e serenos

passam por ti, ó vulgo, sem ao menos

este rumor das cousas entenderes.

 

Entendê-lo somente ao poeta é dado

que é seu destino andar arrebatado

na sugestiva música dos seres.

(“A voz das coisas”)

 

A musicalidade de seu estro é surpreendente: em “Serenatas”, adaptação de Catulle Mendés, diz a primeira parte: “A madrugada ria-se em festim, / tu me chamaste: “vem”, e logo vim. // Mais tarde um pouco, “canta” me disseste, / eu cantei tua graça, alma terrestre.// Mas veio a noite (ó noite em que me vi!)/ tu me mandaste: “parte” e eu não parti”. Apesar dos ventos inóspitos à prática do verso, sempre é tempo para assumir o privilégio assegurado àqueles que tratam das sutilezas da forma. No bosque das musas, o entendimento da melodia das palavras recobre o tácito código talhado há milênios: a consagração do poeta como gênio e predestinado. A visão do poeta como um indivíduo “arrebatado”, ponte de ligação entre o ser comum e o divino, retomada pela concepção romântica, serve de suporte aos criadores de todos os quadrantes, desde tempos imemoriais.

 

LEÃO, Múcio. Autores e livros. Suplemento literário de A manhã. Augusto de Lima. Ano IV. Vol. VII, 01/10/1944.

 

RAMOS, Péricles Eugênio da S. “A renovação parnasiana na poesia”. In: COUTINHO, Afrânio et alii.  A literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Sul americana, 1955. V. II.