Conta Manuel Dias Correa com cerca de onze anos quando deixa a casa paterna, em Moreira de Cônegos, freguesia de Guimarães, Portugal, rumo ao Brasil, ao lado de seu irmão José, o Zeca, um ano mais novo. A viagem, de navio, dura trinta dias, ao fim dos quais é feito, em oração, um agradecimento à Nossa Senhora da Ajuda, protetora da família e da vila. Em busca de oportunidades, Manuel e José chegam ao Rio de Janeiro e logo se estabelecem no comércio. Manuel tem por volta de treze anos quando ouve falar em Itaúna, cidade mineira que parece oferecer boas possibilidades aos decididos a vencer na vida.

O nome do município significa pedra preta. Localizado na região do minério de ferro, é lugar em que floresce, também, uma indústria de tecelagem.

Lá se vai Manoel. Obstinado, começa puxando carro de boi, até finalmente conseguir montar sua loja. Note-se: uma loja de tecidos e utensílios de uso diário, mas que também vende livros.

Apresentado à Maria da Fonseca, a Mariquinhas, sobrinha de seu tutor, Manuel com ela constitui a família na qual nasceriam cinco filhos. Quatro homens: José, Paulo, Oscar e Mário, e uma mulher, Hilda

O lar em que nasce Oscar, o quarto filho, em primeiro de fevereiro de 1921, é rígido e austero. Tudo está impregnado do sentimento do dever e da responsabilidade. O incentivo à leitura também é forte. O apreço pela oratória também.

Estimulado pelo pai, desde muito cedo Oscar sobe em caixotes e lê em voz alta os discursos proferidos nas sessões parlamentares Brasil afora. Como lembra Oscar Correa Jr, em artigo para o volume 80 da Revista da Academia Mineira de Letras:

“Nascia um orador, corrigido – na entonação e na emoção de suas palavras – pelo olhar atento e crítico do pai, que, pelo que parece, nele via um futuro promissor”.

 

Tal atmosfera provavelmente influi nos destinos do menino, que pouco tempo depois se muda para a capital do seu estado, onde se matricula no antigo Ginásio Mineiro, escola em que conclui o ensino médio.

Surpreendido por uma terrível pleurisia, retorna para a casa dos pais, em Itaúna, onde passa muitos meses de cama, isolado, convalescendo. E lendo. É nesse período que mergulha fundo na Literatura Universal, sobretudo na obra de Dante Alighieri, que será paixão duradoura.

De volta a Belo Horizonte para cursar o Pré-Jurídico, ingressa no curso de Direito, e, novamente, é interrompido por grave problema de saúde.

Com tuberculose, passa quatro meses internado num sanatório, convivendo apenas com médicos e enfermeiras, e, sobretudo, com os livros. De novo, são eles que consolam e salvam. Curado, mas com sequelas permanentes, volta às aulas.

Formado em Direito pela Universidade de Minas Gerais em 1943, Oscar Dias Correa logo começa a advogar, sem resistir por muito tempo, porém, à tentação da vida pública. Em 46, torna-se oficial de gabinete de João Franzen de Lima, então secretário de estado das Finanças.

No ano seguinte, conquista o primeiro mandato de deputado estadual, integrando a base de apoio ao governador Milton Campos na Assembleia Legislativa.

1950 é o ano em que Oscar obtém sua primeira cátedra universitária. Em concurso muito disputado, torna-se o titular de Economia Política da Faculdade de Direito. É quando se elege pela segunda vez à Assembleia mineira. Aí, faz ferrenha oposição ao governador Juscelino Kubitscheck, do PSD. A bancada udenista conduz uma obstrução regimental que dura nove meses.

Em suas andanças políticas pelo interior do estado, conhece Diva Tupynambá Gordilho, filha de Otávio Gordilho, engenheiro da Rede Mineira da Viação, em Itaúna, e de d. Ismar, de tradicional clã de Montes Claros. Imediatamente afeiçoado à Diva, com ela se casa e constitui família, vindo a ter dois filhos: Oscar Junior e Angela.

Em 54, Oscar Dias Correa conquista o primeiro mandato de deputado federal e, novamente, faz oposição a JK, que, desde 56, é o presidente da República. A bancada da UDN é integrada por nomes como Adauto Lúcio Cardoso, Aliomar Baleeiro, Milton Campos, Afonso Arinos de Melo Franco e Pedro Aleixo. Oscar compõe a chamada ‘banda de música’, conhecida por ocupar as primeiras fileiras do plenário e por liderar uma contestação aguerrida ao governo. Em 58, é mais uma vez eleito para a Câmara, licenciando-se em 1961 para ocupar a secretaria de estado da Educação do governo de Magalhães Pinto, em Minas. Sua gestão, aí, se notabiliza pela construção de inúmeras escolas públicas.

Em 1965, com a edição, por Castelo Branco, do Ato Institucional número 2, que extinguiu os partidos políticos, Oscar Dias Correa decide, em protesto, abandonar a vida parlamentar. Não aceita o fim da UDN e a implantação do bipartidarismo.

No discurso em que se opõe ao AI 2, pronunciado em 23 de março de 1966, mais uma vez vai ao ponto: “O que nos repugna é que o Governo queira impor duas organizações irreais, inviáveis, provisórias, e que, para isso, obrigue todos os homens públicos desse país a uma opção impossível”.

Suas atenções se voltam, a partir daí, para a advocacia, a docência, a carreira universitária e as atividades culturais.

Entre 69 e 79, ao lado de Caio Mário da Silva Pereira, representa o Rio de Janeiro  no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

Em 1970, se elege para a cadeira de número 3 da Academia Mineira de Letras. Sucede o romancista Agripa Vasconcelos. É recebido por Melo Cançado e será sucedido, em 2006, por Ângelo Oswaldo de Araújo Santos, o atual ocupante da cadeira fundada por Alphonsus de Guimaraens, que sobre Oscar assim se manifesta:

“Oscar Correa, eu o conheci na casa da avenida do Contorno, ao pé do Colégio Padre Machado, quando da inauguração do comitê infantil da candidatura Jânio-Milton-Magalhães. Eu era menino, como Oscar Júnior, e descobríamos a política no calor daquela conturbada maratona eleitoral que conduziu o país ao governo setemesino do enigmático homem da vassoura.

A Oscar Dias Correa, dirijo esta primeira palavra. Poeta e empresário, meu avô, José Oswaldo de Araújo, dizia ter que empunhar a lira e o caduceu. Oscar Correa trazia a lira à mão, mas na outra empalmava a Constituição. Fascinava-o a tribuna política, o parlatório, a missão pública, ao tempo em que o chamava, em atração calorosa, o ordenamento jurídico. Dessa forma, alcançou a Academia Brasileira e a Academia Mineira, o Congresso Nacional, o Ministério da Justiça e o Supremo Tribunal Federal. Não lhe faltou tempo para exercer o magistério em diversas universidades com igual paixão e rigor. Síntese do homem de espírito, foi um homem da lei, da lide política e das letras, das lutas e labores de quem sabe conjugar razão e emoção em plena harmonia. Nós o recordamos, na Academia Mineira, como um dos notáveis integrantes da Casa de Alphonsus”.

Incansável, Oscar Dias Correa leciona na Universidade de Brasília e, posteriormente, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a UERJ. Sua segunda cátedra é conquistada na Universidade Federal do Rio de Janeiro, também em Economia Política.

Em abril de 82, é nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal, ocupando a vaga deixada por Clóvis Ramalhete, aposentado em fevereiro. Realizava, então, um dos mais antigos sonhos, o de servir à magistratura máxima de seu país, lugar igualmente alcançado por amigos queridos, colegas de várias jornadas, como Adauto Lúcio Cardoso, Aliomar Baleeiro e Bilac Pinto.

Em 84, como ministro do Tribunal Superior Eleitoral, dá o voto decisivo em que defende o livre arbítrio de cada parlamentar e permite aos membros da Frente Liberal votar em Tancredo Neves para presidente da República no colégio eleitoral, em 15 de janeiro do ano seguinte.

Durante a Assembleia Nacional Constituinte, sempre corajoso, Oscar Dias Correa se bate pela valorização do STF, dando entrevistas e publicando artigos a favor do Supremo, onde atua até 89, quando deixa a toga.

Na sessão de despedida, os traços de seu caráter são destacados por Célio Borja: “Altivo e a tudo atento, brioso e suscetível de iras sagradas pelo interesse público, ou quando em causa seu próprio conceito ou o da instituição a que pertence, o Ministro Oscar Corrêa, como juiz da Corte Suprema, deu exemplos notáveis de isenção e serenidade”.

Na mesma solenidade, de 1º de março de 1989, o então Procurador Geral da República, Sepúlveda Pertence, mineiro de Sabará, nota outras características marcantes de Oscar: “Culto, inteligência permanentemente irrequieta, em suas intervenções frequentes era difícil saber o que mais realçava: se a agressividade do estilo, submisso, no entanto, ao melhor vernáculo; se o trânsito fácil pelo Direito, a Economia, as Finanças; se a mordacidade dos epigramas inclementes; se a prontidão da resposta do polemista temido.”

Ministro do Supremo Tribunal Federal e membro da Academia Mineira de Letras, Carlos Mário da Silva Velloso, mineiro de Entre Rios de Minas, também reflete sobre a passagem de Oscar Dias Correa pelo STF, em artigo recentemente publicado pelo jornal “O Estado de São Paulo”:

“Seus votos no Supremo Tribunal, jurídicos, técnicos, fiéis à Constituição formal, mas habilidosos na construção jurisprudencial, fortes na Constituição substancial – que se assenta na realidade econômica, social, política e sociológica da Nação – lembram o método sociológico de Benjamin Cardoso e Roscoe Pound. Debatedor temido, afirmava, com Bernanos, que “o escândalo não está em dizer a verdade, mas em não dizê-la completa, deixando uma parte em silêncio, pois a omissão, como um câncer, corrói por dentro.” Essa sua maneira de dizer a verdade por inteiro, o destoava, de certa forma, do jeito mineiro de fazer política. Mas não descaracterizava a sua mineiridade. O que acontece é que há mineiros e mineiros, porque, segundo Guimarães Rosa, “Minas Gerais é muitas. São, pelo menos, várias Minas.” E “se são tantas Minas,…uma, será o que a determina,…sendo o mineiro o homem em estado minas gerais.” Oscar era o mineiro nesse estado de espírito que é Minas.

É também em 89 que, a convite do presidente José Sarney, Oscar Dias Correa assume o Ministério da Justiça, sucedendo a Paulo Brossard. Afasta-se do Ministério oito meses depois, regressando, então, à advocacia e concentrando-se em sua produção intelectual.

Ainda em 89, elege-se para a cadeira de número 28 da Academia Brasileira de Letras, na vaga deixada por Menotti del Pichia, de quem fora colega na Câmara dos Deputados, em 1955. É recebido por Afonso Arinos de Melo Franco, que exalta seus múltiplos talentos e destaca alguns de seus livros, como o romance “Brasílio”, editado em 1968, por ele qualificado como um romance panfletário, um ‘pós escrito em prosa das ‘Cartas Chilenas’, de Tomás Antônio Gonzaga.

Sócio honorário do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, foi, ao lado do governador Rondon Pacheco, um dos articuladores da doação dos arquivos da UDN para o IHGB, bem como quem tomou a iniciativa de doar à Casa da Memória Nacional o imóvel que dava sede ao partido no Rio de Janeiro, localizado à Rua México, no centro da cidade.

Membro, ainda, da Academia Carioca de Letras, da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto dos Advogados Brasileiros, entre as publicações de Oscar Dias Correa se encontram “A Constituição de 1967: contribuição crítica”, “A defesa do estado de direito e a emergência constitucional”, “A crise da Constituição, a Constituinte e o Supremo Tribunal Federal” e “O Supremo Tribunal Federal: corte constitucional do Brasil”, além de “Viagem com Dante”, que lançaria no dia que sucedeu ao do seu falecimento, no Rio de Janeiro, em 30 de novembro de 2005.

A propósito de seu centenário, que hoje justa e merecidamente celebramos, o professor Arno Wehling produziu, para o site da ABL, texto que ilumina a trajetória de Oscar e o seu legado. Ressaltando seu caráter de homem plural, marcado por traços como a Generosidade, a Fidelidade e a Firmeza, Arno diz que Oscar soube trilhar a vida ativa e a vida contemplativa, sendo homem de ação e de pensamento, realizando a necessária interlocução entre o conhecimento e a realidade concreta.

Tal contato Oscar Dias Correa sempre realizou com destemor e ousadia, característica que, segundo ele mesmo diz, é seu ponto fraco. Gosto de enfatizar outras duas, sintetizadas em afirmações que ouvi dele mesmo, quando eu, ainda um repórter iniciante, tive a alegria de entrevistá-lo para o programa que então apresentava, numa emissora local.

Primeiro, a energia infinita para o trabalho. Repito aqui a famosa frase que Oscar me disse naquele dia: ‘Não sei ficar um minuto à toa. Quando tenho um tempo livre, no mínimo estou lendo ‘A divina comédia’.’

Segundo, o compromisso com a verdade, nua e crua. Às vezes bastante incômoda. E registro outra de suas sentenças lapidares: ‘Nunca tive um pensamento escondido ou dissimulado’.

Sua franqueza, porém, não era tola ou grosseira. Vinha embalada em inteligência e erudição, em elegância e em charme, respaldada por sólida cultura, elevado espírito público e noção precisa do bem comum, qualidades que tanta falta fazem nos dias que correm.

Por tudo isso: viva Oscar Dias Correa! Que sua memória esteja sempre viva e acesa entre nós.

Muito obrigado