Reunida em três volumes (um para a poesia, outro para poesia traduzida e o terceiro para a prosa) e abrigada em charmosa caixa, a obra completa de Henriqueta Lisboa, lançada agora pela Editora Peirópolis, foi organizada por dois professores da UFMG: Reinaldo Marques e Wander Melo Miranda, meu confrade na Academia Mineira de Letras (AML). O trabalho dos pesquisadores, conhecidos pelo talento e pelo rigor, resultou em livros imprescindíveis para quem ama a literatura da mineira nascida em Lambari, em 1901, em família vocacionada para a cultura (seus irmãos Alaíde e José Carlos também foram intelectuais de primeira linha).

Em ensaio introdutório, os responsáveis por esse notável empreendimento sublinham as variadas facetas da primeira mulher a eleger-se para a AML, em 1963: além de poeta, Henriqueta foi inspetora federal do ensino secundário em Belo Horizonte, professora de literatura hispano-americana e de história da literatura, crítica literária, tradutora e ensaísta. Seus textos reflexivos revelam uma preocupação com os problemas técnicos e teóricos levantados tanto pelo fazer poético quanto pela prática da tradução, além de um forte interesse por criadores como Alphonsus de Guimaraens, um dos mestres que mais a influenciou, Mário de Sa-Carneiro, Murilo Mendes, Abgar Renault e Guimarães Rosa, sem falar em Cecília Meireles e Gabriela Mistral, com as quais desenvolveu amizade fraterna. O mesmo se deu com Mário de Andrade, um dos pensadores brasileiros que mais orientaram a carreira de Henriqueta, com quem manteve, por vários anos, intenso diálogo epistolar.

O público ainda se beneficiará da leitura de algumas de suas entrevistas à imprensa, como os depoimentos prestados a Edla Van Steen e a dois integrantes da Casa de Alphonsus de Guimaraens: Ângelo Oswaldo de Araújo Santos e José Afrânio Moreira Duarte, que lhe perguntou sobre os conselhos que daria a um jovem poeta, ao que ela respondeu: “Trabalhar com seriedade e amor. No trabalho se inclui a leitura de escolha, o estudo da língua, a pesquisa estética, o esforço técnico, a meditação sobre o tempo presente, a contemplação do passado e do futuro, a observação da natureza, a experiência pessoal, e um pormenor importante: a consulta ao dicionário”.

Pequena parte da já extensa fortuna crítica colhida pela obra da autora também aparece na publicação, contribuindo para que os leitores transitem com mais facilidade pelo seu imenso legado. Cito, entre outros, os ensaios de autoria de outros membros da Academia Mineira de Letras, como Bartolomeu Campos de Queirós, Fábio Lucas, Maria José de Queiroz e o padre Pascoal Rangel. E, finalmente, o belo artigo do mineiro Affonso Romano de Sant’Anna, de que menciono brevíssimo trecho: “E eu estou vendo Henriqueta Lisboa ora saindo de uma livraria, ora esperando pacatamente por um ônibus numa rua de Belo Horizonte, ora saindo das aulas de literatura que dava na universidade. Ela passava como uma brisa, como um anjo tímido, ela passava por nós com o rumor branco de sua poesia. Era uma parte da poesia modernista retida em Minas. Eu a olhava reverencialmente. A poesia era possível, delicadamente, sem atropelos das modas, liricamente”.