Acalento um projeto ousado: descrever a espécie humana em detalhe, chegar às minúcias do comportamento, da emoção e da alma a partir de uma ótica isenta, distante, de observador externo. Dá para perceber como é difícil meu objetivo? Não apenas pelos empecilhos da arte, da palavra, do talento, também pelos da ciência. Ora, perguntará você: o que tem a arte a ver com a ciência? Acontece que existe um terrível teorema, que sempre me rouba horas de sono, chamado Teorema da Incompletude. Foi demonstrado por um sujeito meio lelé, que, segundo a lenda, andava pela Universidade de Princeton de pijama, batendo papo com seu melhor amigo, um doido que mostrava a língua para os outros, não penteava o cabelo e inventou uma tal de Teoria da Relatividade. Note a coincidência. A Incompletude se dava bem com a Relatividade. Não é mesmo uma loucura?
Pois esse Teorema da Incompletude, trocado em miúdo, prova que quem está dentro de um sistema jamais conseguirá descrevê-lo. Sempre faltará algo, um pedaço fatalmente ficará de fora. A totalidade é uma impossibilidade matemática. Isso me leva a considerações sobre a vida, sobre nossa eterna sensação de falta, porém deixemos isso de lado. A crônica viraria ensaio. Mas veja só as consequências. Graças a um teorema, existe a incapacidade de lulistas e bolsonaristas explicarem, com isenção, a atuação de seus líderes, ou a dos brasileiros para entender a orgia corrupta deste país. No fim do raciocínio está a impossibilidade de a humanidade se compreender em detalhe, o que detona toda e qualquer pretensão minha de escritor. Enquanto ser humano, posso extrair partes de nossa alma, nunca a alma integral. Complicado? Eu também acho, mas a matemática ligou um motor de Boeing em cima da minha farofa literária. Fui carregado junto.
Daí a terrível conclusão: para descrever a espécie humana, só se eu for ET. Sonho virar um. Cada dia acho mais difícil. Há outro teorema que diz que as leis daqui valem em todo o Universo. O Teorema da Incompletude, portanto, não é exceção. Beco sem saída. Por isso, vou vender pastel na praia. Menos complicado.
PS O matemático meio lelé chamava-se Kurt Gödel.