DA MENINICE À VELHICE

Danilo Gomes

 

“Boa companheira,

pois que sou teu fiel amigo,

desde a meninice,

velha Mantiqueira,

sonharei contigo

na minha velhice…”

( Heli Menegale, no poema “Montanha”, do livro “Aldeia”.)

 

Fui sempre um ávido leitor de memórias, gênero que muito aprecio. Se um dia me arriscar a escrever um livro de lembranças de minha vida, já sei que título lhe vou  dar:  “ Da meninice à  velhice”.  Tomarei o título de empréstimo aos versos do  poeta Heli Menegale, conforme está aí na epígrafe desta croniqueta. Gostei, e muito. Deu até rima.

Heli Menegale foi um poeta lírico, de estilo suave mas impressivo, que fazia poemas como um pintor tece suas aquarelas e quadros idílicos, pastoris, carregados de  bucolismo, à feição de seu amigo poeta Ribeiro Couto, paulista de Santos.

Nascido em Juiz de Fora, MG, em 1903 ( um ano depois de seu amigo Carlos Drummond de Andrade), Heli  Menegale gostava de morar no intertior de Minas, nas bandas da Serra da Mantiqueira. Fixou residência em Passa Quatro. Entre seus livros,  estão  “Azul”, “Ânfora do Sonho”, “O Suave Poema”, “Passa Quatro”, “Antiga Melodia”, “Joãozinho e Maria e outras poesias infantis” e “Aldeia”.  Deixou também os livros de prosa “Cabo Deodato”, “Roteiros de Poesia” e “A Porta do Paraíso”.

Com estas palavras o poeta abre as cortinas de seu livro “Aldeia”:  “Aldeia…Não é bem um nome brasileiro. Para os caprichos, porém, da minha ternura, é o que melhor se ajusta à  cidadezinha sul-mineira onde vivo, suave roldão de casas risonhas, aconchegadas numa encosta da Mantiqueira, em torno da igrejinha, como o rebanho de ovelhas adormecidas aos pés do seu pastor.”

Heli  Menegale foi  presidente da Academia Mineira de Letras, em meados dos anos 1950. Em seu discurso de posse na presidência da Academia, o professor Rogério de Vasconcelos Faria Tavares, elaborando um sucinto histórico da Casa, desde 1909, enfoca cada um de seus predecessores no cargo, dentre eles Heli Menegale. E o distingue com estas palavras: “Foi  Heli Menegale o presidente que conseguiu a primeira sede própria da Academia Mineira de Letras em Belo Horizonte, viabilizada pela intervenção do prefeito da capital, Otacílio Negrão de Lima, em 1950.  Nascido em Juiz de Fora em 1903, Heli Menegale foi poeta, jornalista e servidor do Ministério da Educação e Cultura. Sua filha, Berenice Menegale, é, há décadas, uma das personalidades mais amadas da cultura de Minas.”

Tenho em mãos um exemplar de “Aldeia”, edição da Edart, São Paulo, 1966, capa e ilustração do pintor Augusto Rodrigues, que conheci em seu atelier no Largo do  Boticário, no Rio de Janeiro, em tempos idos. Eis os títulos do índice: “Poema para o amigo fiel”, “Aldeia”, “O sol”, “Maio”, “O rio”, “A ponte”, “Meio-dia”, “A montanha”, “Sanfona”, “Os fumeiros”, “Largo da Matriz” e “A colina dos mortos”.

Nas dobras ( orelhas) do volume, encontro referências elogiosas à obra literária do nosso autor, vindas de autores de renome, alguns deles atilados críticos literários, como Amadeu Amaral, Ribeiro Couto, Eugênio Gomes, Artur de Sales ( da Bahia), Carlos Drummond de Andrade, Afonso  Arinos de Melo Franco, Ayres da Mata Machado Filho e Eduardo Frieiro.

Discreto, reservado, modesto, nosso poeta usou algumas vezes o pseudônimo de Ricardo Martins. Era moda usar pseudônimos ;  Carlos Drummond utilizou-se de dezenas deles, nas  suas primeiras crônicas nos jornais mineiros.

Heli Menegale transmitiu seus dons artísticos à filha Berenice Menegale, uma  notável pianista e gestora  de cultura, que  até hoje tem prestado grandes serviços a Minas e ao  Brasil. Ela foi secretária de Cultura do Estado de Minas Gerais.